Até que um dia os gringos começaram a me perturbar com perguntas que eu não sabia a resposta e não encontrava ninguém que soubesse: “Letícia, why television is a girl in Brasil? A televisão? How can I know that?” Porque os bichinhos usam 'it', né? Objeto é it, mó mão na roda isso. Porque é loucura mesmo, a gente só sabe de osmose demente social.
E daí adentrei no macabro universo do sexo das coisas. Brasileiras, claro. E percebi que há, de certa forma, tom sexual para o lance. Por exemplo: banheira é feminina. A banheira. Mas chuveiro, o que entra, o que mete, é menino. O chuveiro. Rá. Vai vendo. Tv é mulher. Mas filme é homem. Boca, guria. Dentes, rapazes. A boca. Os dentes. Viagem. Uma casa é menina, mas apartamento é menino. A mão, artigo feminino. O dedo, artigo masculino. Se liga. Eu me bolo.
Posso ficar horas, mas quero poupá-los desses minutos do meu banho ou do meu cocô amigo, ou da minha mania de ficar de cabeça pendurada na cama, irrigando o cerebelo e visualizando agora o sexo, o IT das coisas.
Mas...
Mas algumas outras palavras, que não objetos, me perturbaram. Alma é feminina, mas corpo é masculino. Amor? Homem. Paixão? Mulher. Solidão também mulher. A solidão. Mas companhia também é. A companhia. Dor, vida, lágrima? Tudo menina. Sexo, choro, orgasmo? Tudo menino.
Nunca soube explicar para os gringos e nunca mais me apaixonei por gringo, o estreitamento com a língua portuguesa me enlaçou de tal forma que um homem que não pode me ler não vai poder me amar. Incluir preconceito meu aqui agora. Fica esse mistério. E nariz em espanhol é menina. E mar em francês também. Coisa linda o mar ser mulher. Nariz nem tanto.
E sobre os livros, homens. Mas as palavras e poesias, mulheres. Dentro. Dentro. Dentro.
Letícia Novaes é cantora, compositora e colunista do ORNITORRINCO.