![]() |
Ilustração: Tierney Gearon |
Eu vim de um lugar com nome de vencedor, um vencedor desconhecido, que venceu uma batalha desconhecida, que têm heróis desconhecidos, e famosos desconhecidos e um sotaque desconhecido. Cresci ali, entre as gotas de sucesso de uma vila sem vizinhos, entre o Rio de Janeiro e a Bahia, apesar de viver entre eles, nunca foram vizinhos. Estudei em um colégio de moças muito bonitas, famosas moças desconhecidas. Tive aula de etiqueta no lugar de filosofia. O meu colégio tinha nome de gênio, mas não tolerava a diferença.
O uniforme não tinha a cara do lugar de onde eu vim, porque o lugar de onde eu vim não queria ter cara. O colégio tinha uniforme inglês e high school e todo mundo tinha que usar o mesmo tênis.
Tinha uma menina negra no meu colégio, a única negra, pelo menos na minha sala, e teve um dia que ela voltou de Salvador com um cabelo bonito, cheio de tererê e tava muito legal e diferente, mas o colégio achou aquilo um desrespeito e pediu para que a menina tirasse ou se retirasse do colégio, ela se retirou e todo mundo da minha classe achou aquilo um absurdo, mas ninguém fez nada. As meninas, minhas amigas, eram as moças mais bonitas da cidade, já eu sempre tive vocação para esquisita, embora naquele tempo me empenhasse em parecer bonita toda vez que abandonava meu quarto.
Com o tempo eu fui achando que ser esquisito era mais bonito que ser bonito.
Aos dezoito anos eu decidi sair da minha cidade, deixar o entre, e fui morar no Rio de Janeiro, isso é uma coisa comum de ser feita na cidade de onde vim. Os artistas vão embora para o Rio, para São Paulo, para o Recife, para a Bahia, é que a minha cidade não gosta da arte quando a arte é feita por lá, mas adora quando ela vêm de famosos conhecidos.
A escola que estudei, a tal com nome de gênio, é ainda hoje a escola mais cara e desejada da cidade. É lá que os empresários de sucesso colocam seus filhos e filhas. Nessa escola, meninas não podem jogar futebol porque é um esporte de meninos. Ninguém pode ter tatuagem ou piercing porque, bom, eles nunca disseram o porque. Lá eles ensinam que a Inglaterra e os Estados Unidos são lugares muito bacanas e que dançar funk é coisa de gente baixa (quando eu ouvi isso pela primeira vez imaginei os meninos mais baixos da turma rebolando).
Eu tenho seis irmãos. Estudamos todos lá, menos um, mas isso é um outro papo. Eu e o mais velho já estamos na faculdade, os outros quatro ainda estão lá.
As minhas amigas continuam sendo minhas amigas embora eu tenha me tornado uma mulher esquisita e elas continuem sendo lindas e chiques.
Eu tenho outros amigos, também muito esquisitos, que hoje moram no Rio como eu e que vieram de lá como eu, e nós estamos bolando um plano, um plano muito esquisito e pretencioso de re-ocupar o lugar sem cara e dar a ele um corpo.
Tayana Dantas é atriz, dramaturga, poeta e letrista.