Fotos: Mariana Quintão |
Obrigada Sunga Mututa.
Tem alguma coisa na África. Eu não sei dizer o que é. Mesmo depois de 10 dias em Angola eu ainda não sei definir. Uma coisa que abraça de um jeito quente e aconchegante. Algo parecido com o que a gente sente quando escuta Miriam Makeba, Cesaria Evora, Fela Kuti ou qualquer coisa que eles escutam lá, Kuduro, Kizomba; é o coração batendo num mergulho de carinho e rebolado que pariu a gente.
Chegamos em Luanda e o amigo da cia de teatro da Bahia já foi preso porque tava nos filmando no aeroporto. Meia horinha e soltaram ele, depois de faze-lo apagar. O povo não gosta de ser fotografado. Eles acham que fotografar é "prender a alma" e eu não pude deixar de concordar e achar bonito pensar assim. É mesmo, só que a alma escapole e muda e muda. A primeira coisa que me chamou atenção quando saímos do aeroporto foram os carros de luxo: caminhonetaças, gipizões. Muito trânsito em toda a cidade e nenhum sinal, eles se entendem na linguagem na preferência e do "agora é minha vez". Tem obsessão com engraxar sapato. Tem aquelas máquinas de engraxar, tem gente engraxando, deve ser por causa da poeira. Da poeira das obras e das ruas de terra das favelas. Muitas favelas, e é favela mesmo, as casas são quadradinhos de telha de alumínio e eu pensava num ser humano ali dentro no que deve ser o calor do verão de lá. Eles saem dos "quadradinhos" como se não estivessem ali, vestidos pra mais um dia, andando desviando no lixo, rumo às suas vidas. São homens e mulheres da cidade. Cidade atolada em muito lixo, mas nenhum cachorro dando sopa: há chineses. Quando brotava um chinês de um barraco angolano chegava a dar um tilt na minha cabeça, eles estão em toda parte mesmo! Desigualdade gritante, esperneante, obras por todos os cantos na parte dos ricos e nenhuma na dos pobres. É igual em todo lugar. A gente não dá conta de tudo. Queria dar conta de mim, daqui, da Angola. É a vida. Não é bonita e é bonita. Luanda. A lua estava cheia nesses dias, deve ser por isso. O por do sol é um bola laranja, igualzinho a do Rei Leão.
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Entendi mais sobre o que é ser brasileiro em Luanda do que em Lisboa. Acho que também do que é ser humano. É porque a gente tá tão afastado de tudo, de nós mesmos, que pele tem cheiro de perfume, sovaco de desodorante e sexo tem tato de látex, então qualquer coisa que seja verdadeira, visceral, intuitiva, que corra sangue e suor e que lembre que a gente é bicho, a princípio assusta, mas depois conecta com entranhas escondidas, largadas num canto do ser, cheias de poeira, mas ainda sim, nossas, verdadeiramente humanas. Angola é isso, é entranha e tem gosto de útero.
No último dia, depois da peça, entrou um DJ e eu estava sem querer com meu computador. Tomei a pista de assalto e toquei 4 horas seguidas ou mais, sei lá, foi muito tempo. Arrumei um conselheiro de set fiel, alguns fãs e um apaixonado declarado que jurava que se eu não fosse casada ele seria meu namorado em Luanda. Disseram não estar acostumados em ver mulher tocar. Risos. Foram só clássicos. Amanheceu. Toquei Beto Barbosa e eles pediram Kaoma. Chorando se foi, pérola da madrugada, a hora do vôo chegou. Eu quero voltar!!!! África não é longe não, é logo ali. Acho que a gente deveria ir menos pra Europa e mais pra África. Fizemos grandes amigos, nos apaixonamos por vários, choramos ao nos despedir. E seguimos outros, foi transformador. Sunga, Raul, Jay, Jarrul, N'golaaaaaaaa!
Mariana Quintão é atriz e produtora.