"Antes de mais nada, as relações amorosas deveriam ser
protegidas de qualquer ingerência de interesses econômicos".
protegidas de qualquer ingerência de interesses econômicos".
Wilhelm Reich
Sou a favor da descriminalização de todas as drogas hoje ilegais e a favor da legalização da maconha. Mas isso não significa que eu viesse a defender anúncios de supermercado do tipo: “maconha manga rosa: só R$ 100,00 o quilo” ou “maconha prensada: R$ 50,00 reais o quilo”. Em outras palavras descriminalizar ou mesmo legalizar não significa anunciar, promover, incentivar o uso.
Mas na verdade não quero me referir aqui ao tema das drogas, mas sim à campanha publicitária suspendida do Ministério da Saúde que incentivava o uso de camisinha entre as prostitutas. Campanha importante já que se dirige a um grupo de risco no que toca a infecção por doenças sexualmente transmissíveis. Não vejo nenhum problema na campanha exceto por um cartaz que traz a seguinte frase: “Eu sou feliz sendo prostituta”.
Já faz algum tempo que se pode assistir programas de televisão, filmes e outros produtos culturais, que vez por outra dão um ar de glamour às prostitutas. São no mais das vezes jovens que vendem o acesso ao mais íntimo dos seus corpos para pagar universidades e bancar toda a linha de cosméticos e outros hábitos super importantes que lhes garantem o sentimento de existência hoje predominante que é a solvência econômica: “pago minhas contas, consumo, logo existo”.
Não criminalizo nem caço as prostitutas, nem mesmo as de luxo, mas a esmagadora maioria delas não está tão bem com essa situação e foram levadas a essa condição por uma estrutura socioeconômica perversa. Pelo menos esse é o caso no Brasil (além de outros países latino americanos), rota do turismo sexual e com muitas ocorrências de prostituição infantil.
A frase da campanha, portanto, não está representando bem o que se passa com “a classe” no país, que é formada principalmente por mulheres sofridas. Não dá para tomar a parte pelo todo usando a exceção.
Vale lembrar ainda que os índios há muito mais tempo receberam destaque na representação da identidade nacional e nem por isso deixaram de ser massacrados, ou seja, não vamos resolver a vida das prostitutas com essa expressão complacente de que a “felicidade” está também ao alcance delas.
Além disso, teríamos que fazer uma série de cartazes para uma série de profissões como: “Eu sou feliz sendo gari” ou “Eu sou feliz sendo empregada doméstica”, porque como lembrou uma eminente prostituta: “ninguém gosta de trabalhar, trabalhar é uma chatice”, no que concordo se ela se refere aquilo que já foi alcunhado de “trabalho alienado” já que as pessoas que o praticam (a maioria) não imprimem no que fazem a marca de sua individualidade, de sua criação, o fazem pelo mesmo dinheiro almejado pelas prostitutas.
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A questão mais importante, creio, é a da radicalização cada vez mais impressionante da engrenagem que transforma tudo em mercadoria e pouco importa alguma coisa além de ganhar dinheiro. Marx disse que "a prostituição é unicamente uma expressão específica da universal prostituição do trabalhador". De fato os trabalhadores estão vendendo seu tempo, sua capacidade produtiva para o enriquecimento material de outros. A questão é: queremos tomar isso como ponto de chegada ou de partida?
Eu tomo como ponto de partida. Não creio que a pobreza, a miséria, a violência gratuita fazem bem para a vida. A simples existência dessas situações não justifica aceitá-las. Não acredito que a prostituição faz bem, muito menos a sexual. Não preciso condenar, nem perseguir quem pratica, mas não estou de acordo com incentivar isso.
A ladainha de que a prostituição é a profissão mais velha do mundo também não significa nada. A idade de uma prática torna ela mais celebrável, palatável? Vamos também incentivar touradas só com o argumento de que é uma tradição? Vamos promover guerras porque é isso mesmo, a história está permeada de guerras?
Para finalizar acredito que a prostituição feminina é também a revelação do fracasso masculino em não conseguir pelo amor ou pelo desejo o carinho e o tesão voluntário da mulher (certamente não seria possível vender uma trepada se não houvesse quem a comprasse). Isso muito tem a ver com a educação repressora da sexualidade na adolescência, fruto da própria estrutura econômica da propriedade privada patriarcal que precisa ser dinamitada.
Júlio Reis é poeta, escritor, jornalista e colunista do ORNITORRINCO.