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Greta Gerwig em "Frances Ha", de Noah Baumbach. |
Aos quinze anos eu pensava que, se não morresse aos vinte e sete por overdose de alguma coisa – chá mate, por exemplo –, seria o sinal de que um outro desfecho se abriria e que aos vinte e oito poderia estar, quem sabe, numa situação profissional que assegurasse financeiramente todas as minhas necessidades, todas as overdoses. Talvez estivesse casado e com filho(s). Ou se não casado, ao menos em um relacionamento sério e equilibrado, desses que acontecem raramente na vida e que quando acontecem nos dão a sensação de que pode durar para sempre, mesmo que seja sempre o nunca. Sobretudo estaria ganhando dinheiro escrevendo, fazendo teatro, filmes, exposições, viajando o país – o mundo! – conhecendo pessoas, trocando ideias, irrigando o centro do peito. Mas, bueno, não foi bem assim que daqueles tempos até aqui (sobrevivi aos vinte e sete anos) as coisas se deram por acontecer.
E pensar que quando tinha uns treze anos eu achava que com dezoito já teria publicado um grande livro. E quando eu tinha dezoito achava que com vinte e cinco estaria revolucionando a arte. Não ria de mim. Que sonhos tem um jovem sem ingenuidade? Aqui agora continuo desejando que o que resta desses planos se realize (não desisti de me tornar um astronauta). Desejo especialmente trabalhar só com o que gosto. Quero ganhar dinheiro trabalhando em casa. Você aí do outro lado resolve isso pra mim?
O novo filme do diretor Noah Baumbach, chamado "Frances Ha" (ainda sem data de estreia prevista no Brasil), atravessa essa questão ao contar a história de Frances, uma garota (menina, mulher?) de vinte e sete anos que divide um apartamento com sua melhor amiga em Nova York. As duas têm sido amigas inseparáveis, fazem tudo juntas, freqüentam as mesmas festas e até dormem na mesma cama. Acontece que Sophie decide se mudar e morar com uma outra amiga e então Frances se vê tendo que procurar outro lugar para ficar. Paralelo a mudança, sua dedicação está focada nos testes para ingressar em uma companhia de dança, mas ela não é exatamente uma dançarina. Este é o retrato inicial de Frances, desabrigada, desempregada, artisticamente insatisfeita e afastada das amizades.
Durante o filme acompanhamos a sua jornada instável. Mas não é da natureza de Frances se abalar, pelo contrário, ela consegue se adaptar rapidamente às novas situações, contrastado os fatos reais com o seu otimismo pois apesar de tudo, da maré ruim, ela sente-se destinada à um grande futuro, como se um homem de capa preta fosse bater à sua porta e lhe dar uma mala cheia de dinheiro e uma passagem para Berlim.
A expectativa de que a boa surpresa mude o rumo da vida está presente entre nove de dez conhecidos meus. Um amigo brinca me dizendo que seu sonho é que uma mulher muito rica se interesse por ele para que ele possa ficar livre da ingrata busca financeira para poder se dedicar exclusivamente à sua busca interior. Claro que é o pior exemplo a ser dado, mas tantos outros amigos atores, escritores, jornalistas, vivem a esperança de que o trabalho dos sonhos lhes dêem bom dia.
Mas a questão continua sem resposta. Há espaço para todo mundo? Quantos atores se formam por ano no Brasil? Quantos pintores? Quantos escritores estão fazendo a oficina de escrita criativa agora neste momento e quantos estão sendo publicados e quantos estão sendo lidos? E tudo bem, depois de protagonizar a peça no teatro, da exposição nas galerias, do livro em livrarias, o que sobra é a pergunta de como fazer o supermercado.
O sonho de Frances foi o que aconteceu com Greta Gerwig, a atriz de trinta anos que a interpreta. A primeira vez que vi Greta foi nos filmes independentes "Night and weekends" e depois em "Hannah takes the stairs". Greta é a musa do movimento de cinema Mumblecore, em que um grupo de amigos estudantes de cinema se juntaram e fizeram filmes com câmeras digitais, pouca estrutura, dez pessoas na equipe e todos se dividindo em todas as funções, praticamente sem dinheiro. Já vi alguns filmes do movimento e sem dúvidas os com Greta são os melhores. Ela carrega seus filmes nas costas, quase como num monólogo. Provavelmente porque o seu registro de interpretação case perfeitamente com a proposta de linguagem, um naturalismo que dá a impressão de que ela não está atuando, que ela não é atriz, que a deixaram louca na frente das câmeras falando coisas sem parar e agindo como deve ser graças à sua presença de espírito. Por isso você acredita muito mais nos seus personagens, no que eles dizem e fazem, e geralmente suas escolhas não são óbvias no que se trata de se posicionar na frente da câmera e se relacionar com ela.
O caso é que Greta recebeu a visita do homem da capa preta com a mala de dinheiro. No ano passado ela participou do filme "Para Roma, Com Amor", do Woody Allen. Em "Frances Ha" ela não apenas atua como escreve junto com o Noah Baumbach, diretor americano dos filmes "A Lula e a Baleia" e "Greenberg". Noah é um cineasta conhecido por fazer uma espécie de cinema indie em Hollywood (já filmou com Nicole Kidman e Ben Stiller).
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Lena Dunham em "Girls" |
A mesma questão é o centro do argumento da série "Girls". Criada, escrita, dirigida e protagonizada por Lena Dunham (com vinte e sete anos é tida como a nova “jovem gênia” americana), trata sobre um grupo de amigas da classe média americana que tentam se realizar profissionalmente (e amorosamente, não pode faltar), contando que a sorte lhes possa sorrir todos os dentes e realizar o sonho feliz. Assim como Hannah, sua personagem, Lena passou anos estudando, trabalhando em seus pequenos projetos até que um produtor "midas" (estamos falando de Judd Appatow) resolveu produzir uma de suas ideias. "Girls" está em sua terceira temporada e ganhou dois Globos de Ouro (de melhor série e melhor atriz).
Somos uma geração que ainda depende bastante das facilidades que os pais nos oferecem (quando eles podem oferecer), e a questão de como vamos trabalhar para nos sustentar é bastante refletida por nós mesmos. Estou falando daqui de dentro da classe média, ok? Esse falso paraíso. Não moro mais com meus pais há dez anos e trabalho arduamente para poder pagar as contas todo mês, e sim, embora trabalhe tanto e esteja sempre por aí girando a roda, ainda não cheguei ao ponto do retorno financeiro para a emancipação total, para a liberdade incondicional.
A maioria dos meus amigos também estão vivendo a esperança de que o raio caia em cima de suas cabeças. Não quero dizer que estão parados no Posto 9 pegando um bronze na bunda. Estão trabalhando, fazendo suas coisas, a maioria sem retorno financeiro, ou bem pouco, geralmente insuficiente para pagar as contas nesse Rio de Janeiro de Ouro, na expectativa de que algo aconteça. De que a empresa lhes contrate, de que passem no teste pro filme, que adaptem seu roteiro pra cinema, que o seu projeto passe no edital, que o patrocínio venha gordo, deitando a cabeça no travesseiro todos os dias para tentar dormir o sono tranquilo e sonhar que o milagroso golpe da sorte chegará antes que o da morte.
Gabriel Pardal é editor do ORNITORRINCO.
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