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Papa Francisco com o prefeito Eduardo Paes (esq.) e o governador Sérgio Cabral (dir.). Foto: Roberto Vazquez |
Da noite para o dia, um desconhecido arcebispo de Buenos Aires se tornou a maior celebridade católica do planeta. Se, antes de ser eleito papa, Jorge Mario Bergoglio caminhasse de sunga pela Av. Nossa Sra. de Copacabana ao meio dia, não receberia nem sequer um olhar desconfiado para trocar por um aceno.
O Papa Francisco de fato é simpático, jovial e sorridente – ainda mais se comparado ao seu antecessor, que além do carisma abaixo de zero, trazia em sua biografia uma passagem pela juventude hitlerista e a expulsão de Leonardo Boff da igreja. Porém, por debaixo do carisma de Francisco, resiste a tradição reacionária, medieval e violenta que significa a instituição que ele representa.
Não se deve jamais confiar em uma liderança moral que se estabelece por decreto, e não pelo que a pessoa diz ou faz. A devoção prévia com que a população e a imprensa tratam esse senhor que desconheciam até ontem – e que, pelo cargo que ocupa, passaria a ser infalível e inquestionável – é tão perigosa quanto qualquer outro culto de personalidade. Ao reafirmar ou não rever a oposição ferrenha da igreja aos relacionamentos homossexuais, à legalização do aborto, à pesquisa com células tronco e ao uso da camisinha – para me ater aos exemplos mais óbvios – o novo Papa, com toda sua influência e apesar de sua simpatia formal, se torna também responsável pela manutenção da violência e do sofrimento de milhões de pessoas no mundo. Nada deve importar mais do que isso.
A igreja só merecerá o mínimo respeito de todos, para além de qualquer discussão sobre a veracidade de sua mitologia, se mudar da água para o vinho com a mesma velocidade que muda de líder, pois quando se trata de direitos iguais e combate ao preconceito, não devemos aceitar migalhas como se fossem milagres. A própria existência de tais preconceitos se dá em grande parte por conta das pautas católicas, e da lentidão cínica com que a igreja costuma rever os horrores cometidos em seu nome ao longo da história.
É fato que a filosofia cristã se tornou o aspecto menos importante dessa organização – visto que sua própria cúpula é a primeira a não respeitar seus princípios fundadores. Não foi Jesus quem disse que era mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus? (Mateus 19:24)
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Copacabana lotada de fiéis pra visita do Papa. Foto: Tasso Marcelo |
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Foto: Yasuyoshi Chiba |
Não existem motivos prévios especiais para se tratar o novo líder da Igreja com tamanha complacência. Ele é só um senhor de vestido e chapéu, eleito de forma indireta para presidir uma instituição e seus empreendimentos – cheios de fins lucrativos – que merece o mesmo olhar crítico ferrenho que temos sobre políticos e empresários. Não faz sentido que as pessoas que condenam as posições do Pastor Feliciano sobre a homossexualidade vejam o papa Francisco com outros olhos, visto que ele sustenta quase exatamente a mesma posição sobre o tema. Sua simpatia importa muito menos do que suas opiniões. Não pode haver mais valor na maneira que o sujeito expõe sua posição do que na própria posição que defende.
Afinal, fora o aspecto político e social, a Igreja se resume a um conto de fadas da era do bronze, que merece ser visto da mesma forma com que tratamos as outras milhares de religiões que já existiram. Somos todos ateus diante de 99,9% dos deuses criados – e também vistos um dia como verdades absolutas. Hoje sabemos que é absurdo crer em Thor, Zeus ou Amon como sendo reais. O deus católico é só mais um.
Vitor Paiva é escritor, músico e colunista do ORNITORRINCO.