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[Ilustração: René Magritte] |
De dentro do olho do furacão que se tornou o Brasil nos últimos meses, de dentro desse supletivo nacional de ciência política, tenho pensado sobre a transformação do jornalismo brasileiro, não só pelo surgimento das mídias alternativas, como a Mídia Ninja, mas pela aparição, ou uso mais frequente, de práticas jornalísticas colaborativas. Fazendo um paralelo entre o futebol e o mundo lá fora vejo a força transformadora deste novo olhar colaborativo. No tapete verde onde rola a bola é evidente os reflexos do que acontece fora dele. Por isso que a Copa do Mundo não virá para mascarar nada, assim como foi a Copa das Confederações ela vai expor um pensamento, uma visão estética, um modelo de gestão. Muita gente não tem gostado do que isso expõe, não porque são fãs do esporte ou saudosistas, mas por verem que o modelo aplicado ao futebol é o mesmo aplicado à cidade, ao país. Ao passo que há uma imposição de um modelo estamos também diante de uma horizontalização do olhar e da informação. É esse contraste, ao meu ver, que tem feito explodir as reivindicações por toda parte, a verdade não está mais depositada sobre um altar sagrado.
Rola a bola e dentre as muitas transformações que o futebol sofreu nos últimos anos a mais profunda vem por conta da multiplicação do olho eletrônico. Nas primeiras décadas do século XX os jogos eram filmados, os filmes eram revelados, editados e só aí o expectador via as imagens. O relato, quase ficcional do rádio, ditava o tom da informação. Na Copa do Mundo de 1958 havia um esforço de guerra para revelar os filmes dos jogos, editar e mandar tudo ao Brasil para que, no dia seguinte, o pessoal pudesse ir ao cinema ver os lances. Assim ninguém viu o gramado do estádio Rassunda completamente alagado, antes da final Brasil x Suécia, e os suecos usando esponjas gigantes para absorver a água e espremê-la do lado de fora. Sem imagens a história ganha contornos mitológicos, o que não deixa de ser interessante. Esse outro tempo, com menos câmeras, gerou as lindas imagens do Canal 100, numa época na qual o mundo e o futebol eram mais lentos e cadenciados. A partir de 1970 as Copas do Mundo passam a ser transmitidas ao vivo pela TV e de lá pra cá o boom das transmissões de futebol mudou o esporte e se há um torneio que se transformou profundamente por causa disso esse é a Libertadores da América.

Na Copa de 1998 o que a maioria lembra é que o Brasil levou um ferro de 3x0 da França na final. Mas, antes disso, a seleção perdeu pra Noruega na fase de grupos por causa de um pênalti cometido pelo bom e velho Júnior Baiano. Interessante que nenhuma câmera oficial registrou a cena e pela primeira vez, que eu me lembre, um cinegrafista amador apareceu com uma imagem de um ângulo específico atrás do gol que mostrava o puxão do Baiano no grandalhão Norueguês. A imagem confirmava o pênalti e colocou por terra as reclamações dos jogadores, comissão técnica e até dos jornalistas que diziam ter sido aquele um pênalti Mandrake, inventado pelo juiz. O Tino Marcos teve que fazer outra matéria recontando a história da partida.

Com um olhar horizontalizado e uma capacidade de comunicação ágil em tempo real as histórias aparecem de outra forma. Claro que isso não resolve tudo, ainda há juízes. No entanto a dita “mídia tradicional” é obrigada a ceder, a sair do seu lugar de bastião único da verdade e entrar em diálogo com quem está ao seu lado, com essas centenas de olhos eletrônicos que enxergam mais do que apenas três câmeras podem ver. Aqueles que ocupam cargos de poder também terão que descer do seu trono, não dá mais pra resolver tudo em acordões às escondidas. Precisamos ter uma vida política mais ativa de todos os lados, mais participativa, transparente e horizontal. Esse compartilhamento de poder é muito saudável. Com isso não digo que é necessário matar o juiz, mas aqui fora de campo é necessário repensar seu papel, sua importância, sua legitimidade e seu lugar enquanto verdade. O que o olho eletrônico mostra também está sujeito a muitas interpretações, é do jogo, é da vida, mas com uma relação de diálogo aberto, horizontal e colaborativo acho que podemos construir um novo mundo menos violento, sem totalitarismos, mais humano. Afinal, a participação da multidão da torcida também faz a diferença.
Domingos Guimaraens é integrante do coletivo OPAVIVARÁ!, doutorando em Letras e colunista do ORNITORRINCO.
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