Gregorio respondeu que estaria livre às 11h da manhã de uma sexta-feira. Causou rebuliço no escritório do ORNITORRINCO, os funcionários teriam que acordar cedo para trabalhar. Pois missão dada é... às 9h estávamos comendo pastel na feira do Baixo Gávea. Para entrevistá-lo, escalei o colunista Franco Fanti — que é roteirista e um dos fundadores do Hermes & Renato —, e o colunista Domingos Guimaraens, que, assim como nosso entrevistado, se formou em Letras na PUC-RJ.
Um pouco de biografia: Gregorio Duvivier nasceu no Rio de Janeiro em 11 de abril de 1986, começou a estudar interpretação no curso de teatro do Tablado, e lá descortinou sua vocação para a comédia. Aos 17 anos formou o grupo que faria a peça Z.É - Zenas Emprovisadas, que ficou mais de seis anos em cartaz no país. Se formou em Letras e publicou o livro de poesia "A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora" (7 Letras, 2008). Realizou dezenas de peças, filmes e no ano passado fundou o Porta dos Fundos, é o quinto maior canal de comédia do mundo no Youtube.
Um pouco de biografia: Gregorio Duvivier nasceu no Rio de Janeiro em 11 de abril de 1986, começou a estudar interpretação no curso de teatro do Tablado, e lá descortinou sua vocação para a comédia. Aos 17 anos formou o grupo que faria a peça Z.É - Zenas Emprovisadas, que ficou mais de seis anos em cartaz no país. Se formou em Letras e publicou o livro de poesia "A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora" (7 Letras, 2008). Realizou dezenas de peças, filmes e no ano passado fundou o Porta dos Fundos, é o quinto maior canal de comédia do mundo no Youtube.
Combinamos o encontro na frente dos bares no Baixo Gávea. Assim que ele chegou, fomos juntos caminhando até um café no Parque do Jardim Botânico. Estávamos munidos de muitas questões e curiosidades sobre a produção do humor nacional, a relação entre internet e televisão, o valor do sucesso, e Gregorio, com sua presença calma e tranquila, respondeu as perguntas com o raciocínio rápido. A conversa durou um pouco mais que uma hora.
- Gabriel Pardal
GABRIEL PARDAL:
Como é que você está com câmeras? Já se acostumou com a câmera olhando pra
você?
GREGORIO DUVIVIER:
Não tem problema não, eu lido bem com isso.
PARDAL:
Você fica nervoso?
GREGORIO: Não,
tô acostumado.
PARDAL:
Você é perseguido por Paparazzi ou isso não acontece contigo? Pessoas te param
na rua para tirar foto contigo?
GREGORIO: As
pessoas na rua sim. Mas Paparazzi não se interessam por webcelebridades (risos).
Ou subcelebridades, como você preferir.
PARDAL:
Como o humor começou pra você? Você era o cara engraçado dos amigos, da escola?
GREGORIO:
Quando eu era pequeno, com uns 12 ou 13 anos, eu era o tímido. Aí entrei no
Tablado e lá descobri que gostava de fazer graça, e passei a ser o engraçado da
sala. O cara que fazia teatro. Foi uma mudança na minha vida.
PARDAL:
No seu início no teatro, você já tinha essa escolha consciente pela comédia, ao
invés do drama?
GREGORIO: O
que rolava era uma afinidade sobretudo com a comédia. O Tablado tem uma coisa
de comédia muito forte. Talvez se eu tivesse feito outro curso, não teria ido
pra comédia. O riso é uma experiência muito viciante, transformadora. Você
fazer as pessoas rirem é uma coisa que supre a sua carência, logo te gera
necessidade. Eu lembro que ficava contando os dias para…. Eu lembro muito dessa
mudança, de que eu era um cara tímido e daí quando fui pro Tablado, alguma
coisa que falei, alguma besteira que falei, as pessoas riram de mim, de tão
esquisito e tímido que eu era. Tinha uma voz aguda, era menor de tamanho.
FRANCO FANTI:
Você faz humor pra isso? Pra gerar o riso? Por que você faz humor?
GREGORIO: É
uma ótima pergunta… (pensativo) Acho que inicialmente para suprir uma
carência. O riso te dá afeto, passa muito por gostar daquilo de que se está
rindo. Eu tenho essa teoria particular. Quando você lê esses caras que falam
sobre o riso, eles falam que tem a ver com distanciamento, com superioridade, e
eu não acho isso. Pra mim passa muito mais pelo afeto. Você ri muito mais de
quem você gosta. Às vezes em que você mais riu na vida foi entre amigos.
—
O riso te dá afeto, passa muito por gostar daquilo de que
se está rindo. Eu tenho essa teoria particular. Quando você lê
esses caras que falam sobre o riso, eles falam que tem a ver
com distanciamento, com superioridade, e eu não acho isso.
Pra mim passa muito mais pelo afeto.
—
FRANCO:
Como você acha que a imagem que você passa como humorista se relaciona com o
que você realmente é?
GREGORIO: O
barato do ator é criar mecanismos para se expor sem risco. Foi o que me
fascinou. Eu era tímido e a vivência do palco ajuda a criar uma persona para
suportar a exposição. Ser ator não é equivalente a se expor. É o contrário até.
Vi uma vez uma entrevista do (Marco) Nanini, que é um tímido, falando
que descobriu o que era se expor quando escreveu uma peça. Achou terrível,
achou a coisa mais devastadora da própria intimidade, parecia que ele estava
expondo a alma. E na vida tem esse descompasso. Eu não me sinto muito a vontade
com a exposição no dia a dia. Não é uma coisa que eu busco.
FRANCO:
Mas acontece. As pessoas acham que te conhecem.
GREGORIO: Rola
uma expectativa muito grande de que você supra o que o cara imagina que você
seja. Mas comigo não rola tanto, talvez por eu fazer um tipo de humor mais low-profile,
mais brando, não sou um cara histriônico. Diferente do Leandro Hassum, ou
do Fábio Porchat. Com o Porchat, todos esperam que ele seja engraçado o tempo
todo, e ele é engraçado o tempo todo. As pessoas tem mais comigo uma reação de
me sacanear, “Pô, você é baixinho mesmo”. E não me importo, porque meio
que criei isso, de me colocar nesse papel.
DOMINGOS GUIMARAENS:
Você acha que fazer rir é uma arte mais séria do que fazer chorar? É mais forte
ou mais difícil conseguir fazer rir do que fazer chorar? Você vê alguma relação
nisso, ou são coisas totalmente diferentes?
GREGORIO: Não,
eu vejo muita relação. Acho até que são próximos, de alguma maneira. Os dois
pressupõem uma comoção para com o espectador. Acho que o riso é uma comoção,
ele está envolvido com a história, ele criou uma expectativa e de repente
quebrou ela, ou foi invertida, e por isso ele riu. Então o riso, como o choro,
dependem dessa identificação do espectador. Agora uma diferença do riso, e por
isso ele é tão perigoso, é que as pessoas riem por mil razões. Podem estar
rindo de você porque gostam de você, mas muitas vezes também porque querem ver
até onde você vai.
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Pardal e Gregorio |
PARDAL: O humor é muito potente. É uma arma. Você pode trabalhar o humor de uma forma política, pode ser um cronista de humor. E há uma certa tradição de se fazer humor como um perdedor, tipo Woody Allen, Bill Murray, Louis CK, que fazem humor sobre as suas tristezas e derrotas. Geralmente a gente fala que para se construir um poema de amor, o sofrimento é inspirador. É também possível fazer humor pela tristeza?
GREGORIO: Acho
que é fundamental fazer humor pela tristeza, porque a matéria do riso quase
nunca é o riso, quase nunca é a alegria. Alegria não tem metade da graça da
tristeza ou da desgraça. A tristeza gera humor porque o humor passa muito por
uma indignação real. Por uma tristeza real, uma coisa de verdade. Eu tenho a
impressão de que o humor passa muito pela verdade, por uma identificação com
uma verdade, seja ela momentânea, tipo “Ah, pode crer. No Spoletto me servem
assim mesmo”, seja uma verdade eterna, absoluta, de que vamos morrer. E em
geral são verdades meio tristes.
FRANCO:
Suas fontes para escrever um roteiro de humor são as mesmas para sua coluna de
jornal? Ou são diferentes formas de se criar?
GREGORIO: Acho
que a fonte é a mesma. Em geral são as sacações, vamos dizer assim, do dia a
dia. Você vê que ali tem um material poético. O material poético e o material
de humor são meio parecidos, no sentido de que os dois são pequenas subversões
do que se espera. São puxadas de tapete, sabe? Claro que no caso do Porta a
gente pega esse material supostamente poético e chuta a porta. Faz uma coisa
sem poesia nenhuma, com o foco quase que exclusivamente na graça. Agora, tem um
negócio legal do Porta, que passa um pouco pela tristeza...
CAMILO LOBO: (para
Pardal) Quer uma cerveja?
PARDAL: (para
a garçonete) Qual cerveja vocês tem?
GARÇONETE:
Temos Therezópolis de 600ml.
PARDAL: Isso
ai. Uma, por favor.
GARÇONETE: Quer
a Gold ou a preta?
PARDAL:
Gold.
FRANCO: Isso
entra na entrevista também?
PARDAL:
Entra. É patrocínio (risos). Nosso momento merchan. Eu
combinei com ela. Não tem só essa marca de cerveja, mas eu combinei com ela (risos).
GREGORIO: Tem
que ter algumas inserções da marca (risos).
FRANCO:
Mas você tava falando, com relação à tristeza, uma coisa legal do Porta...
GREGORIO: O
legal do Porta é que a encenação é um pouquinho triste. É uma coisa do Ian (SBF),
do diretor, que não dirige com cara de comédia. Isso eu acho muito importante.
FRANCO: É.
Comédia que quer ser comédia eu não gosto. Que quer ser engraçada. Não dá pra
querer ser engraçado.
GREGORIO:
Exatamente.
—
Acho que é fundamental fazer humor pela tristeza,
porque a matéria do riso quase nunca é o riso, quase
nunca é a alegria. Alegria não tem metade da graça da
tristeza ou da desgraça. A tristeza gera humor porque
o humor passa muito por uma indignação real.
—
PARDAL: Como
é que funciona o Porta? Vocês levam o roteiro, fazem uma reunião, tem briga pra
ver qual vai ser o próximo roteiro?
GREGORIO: Nós
somos quatro roteiristas. Cada um de nós quatro chega com dois textos por
semana. Em geral, na segunda a gente se reúne com dois textos. Eu sou o mais
deficitário. O mais complicado ali.
FRANCO:
Então vocês não criam juntos?
GREGORIO: Não.
FRANCO:
Você chega já com o roteiro, e vocês discutem o que pode melhorar?
GREGORIO:
Exatamente. Ai a gente quase sempre reescreve. Isso é meio diferente das outras
coisas que eu já tinha feito. Tive que aprender o desapego, sabe? Já não tenho
muitas ideias, quando tenho uma ideia, levo com uma puta expectativa, e não
rola... E a maioria das ideias não rola, isso é muito legal do
Porta. São oito esquetes por semana que a gente leva, mas só produzimos dois.
DOMINGOS:
E o resto vai pro lixo, ou você usa na outra semana?
GREGORIO:
Muitas vão pro lixo. Algumas a gente reescreve. A gente vota e decide. A grande
maioria a gente aprova com restrições, sabe? “Reescreve esse final, reescreve
sei lá o quê...”. Muitas vezes passa pra outra pessoa reescrever. Então tem um
processo de desapego do texto, que pra mim é difícil mas é muito bom. Muito
importante.
FRANCO:
Você prefere escrever dessa forma, coletivamente, ou a sua coluna, em que você
decide tudo sozinho?
GREGORIO: Tem
uma coisa legal de que a coluna pode ser triste, pode nem ser engraçada, sabe?
As ideias mais loucas eu levo pra coluna. Não só as impossíveis de se filmar,
mas às vezes as mais tristes, menos populares, vamos dizer assim. Porque o
Porta também tem, hoje em dia, não a obrigação de ser popular, mas um
compromisso. Cada vídeo que a gente põe tem sido visto por dois, três milhões
de pessoas. Então a gente tem o compromisso de atingir muita gente. De ser
muito comunicativo.
DOMINGOS:
Existe humor fácil? Fazer humor com clichês, gays, negros, minorias, judeu...
GREGORIO: Acho
que existe. Tem um tipo de humor que é muito comum, talvez o mais comum, que é
o da confirmação de expectativa. É o humor da loira burra, do português burro.
Entra um português na piada, você sabe que ele vai ser burro. E a graça, entre
aspas, é que ele é burro. O sucesso do Stand-up passa muito por ai. Nem todo
Stand-up é assim, mas muitos são. Muita gente vai ao teatro pra confirmar o
estereótipo da classe média. “Ah, motoboy é uma merda mesmo”. Em
São Paulo só falam de motoboy. Ai aplaudem quando o cara fala
que motoboy tem que morrer. Então existe sim um humor de confirmação de
estereótipos, ou de perpetuação de estereótipos. É com certeza um humor mais
bobo. Rende menos frutos do que um humor que puxa o tapete, como a gente tava falando.
GREGORIO: Tá
tirando...
MULHER: É
que eu tenho que mostrar pro meu namorado que eu vi você. Ele não vai
acreditar.
GREGORIO:
Conta, que ele vai acreditar. (risos)
MULHER: Eu
tenho que mostrar.
CAMILO:
Você já assistiu aquele programa da HBO, Talking Funny, com Seinfeld, Ricky
Gervais, Louis CK e Chris Rock?
GREGORIO: Sim.
CAMILO:
Eles falam sobre processo criativo, como eles fazem, como começaram com
Stand-up, e como descobriram que a piada fácil, como você estava falando,
levava eles até um certo ponto, mas não colocava eles no patamar que estão
hoje. Louis CK fala que tem gente que acha que fazer piada com palavrão é
fácil, que falar “Fuck” no palco provoca riso fácil. Mas vai fazer uma piada
boa de verdade só com palavrão. Quero ver fazer uma plateia rir falando “Fuck”
simplesmente.
GREGORIO:
Total. Muita gente confunde humor fácil com palavrão, por exemplo. Eu não acho
que seja, mesmo. Quando você fala palavrão, pode até provocar um riso fácil em
algumas pessoas, mas provoca uma rejeição fácil também em muitas outras. É
muito arriscado. Realmente é muito difícil trabalhar com palavrão. É uma arte.
Eu, por exemplo, não sou bom de palavrão. Não tenho muita propriedade. Quando
falo, não funciona tanto. O Fábio [Porchat] falando palavrão é hilário,
ele tem um hall de palavrões. O [Fernando] Caruso fala muito bem
palavrão.
FRANCO:
Essa frase é ótima. “Ele fala muito bem palavrão”. (risos)
PARDAL:
Qual é a medida do sucesso no humor? É simplesmente ser engraçado? E
existe o humor underground? Quem é o Lars Von Trier do humor?
GREGORIO:
Cara, essa é uma ótima pergunta, porque as pessoas não levam isso muito em
conta. Elas acham que o humor é um bloco dentro de outras classes, vamos dizer.
Então tem o cinema, e dentro do cinema tem o humor. Tem a televisão, e dentro
da televisão tem o humor, que seria um bloco homogêneo. Mas existe a vanguarda
do humor, existe o mainstream do humor, o underground, o anti-humor
também. Eu acho que o Porta dos Fundos tem uma vibe um pouquinho maldita sim.
DOMINGOS:
Subversivo...
GREGORIO:
Subversivo. Tem uma ausência de filtros, fundamental, aliás, pro humor que a
gente faz, que torna ele um pouquinho underground, sim. Não é o mais
underground. Há um lado mainstream, no sentido que ele fala com muita
gente. Tem um pouco dos dois, tenho a impressão.
—
No Brasil as pessoas acham religião uma minoria.
Acham que cristão é uma minoria. Não é uma minoria
nem em termos numéricos nem em termos financeiros.
Então rir de religião, no Brasil, sobretudo, é rir do poder. É rir de quem está no poder. É rir da classe dominante, quase.
—
FRANCO:
Falando sobre filtros, você acha que qualquer coisa pode ser zoada?
GREGORIO: Sim,
qualquer coisa pode virar humor, mas algumas coisas vão te fazer ralar muito
pra fazer as pessoas rirem daquilo. E em algumas coisas, sobretudo, você vai
ser muito indelicado, muito feio.
FRANCO:
Tipo o quê?
GREGORIO:
Fazer humor com minorias, por exemplo. Eu acho errado rir, por exemplo, de um
cara falando errado. Eu acho bobo, no sentido que se está perpetuando um
estereótipo. Está fazendo o que todo mundo espera que se faça. Você não está
trabalhando com nenhum tipo de inversão. Ao invés de estar questionando uma ferida
da sociedade, se está aumentando ela. O humor do garoto que pratica bullying,
sabe?
FRANCO: Programas como o Pânico na TV, por exemplo, fazem um pouco bullying. Se fizessem com você, se é que já não fizeram, como você lidaria com isso, sendo um humorista?
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Pardal, Domingos, Franco e Gregorio |
FRANCO: Programas como o Pânico na TV, por exemplo, fazem um pouco bullying. Se fizessem com você, se é que já não fizeram, como você lidaria com isso, sendo um humorista?
GREGORIO:
Obviamente é difícil lidar com o fato de ser zoado. Mas eu tô acostumado. Acho
que não tem como ser humorista e não ter esse teto de vidro, não abrir a
porteira para ser zoado. Faz parte de ser um comediante. É muito complicado um
comediante vaidoso.
FRANCO:
Mas um vídeo como o do Jesus na xana da mulher (risos) não é a mesma
coisa? Entende?
GREGORIO:
Entendo total. Eu acho que não é a mesma coisa, porque no Brasil as pessoas
acham religião uma minoria. Acham que cristão é uma minoria. Não é uma minoria
nem em termos numéricos nem em termos financeiros. São instituições
riquíssimas, tanto a igreja católica quanto as igrejas de modo geral. E além de
riquíssimas, tem um braço fortíssimo no governo, no poder. São muito bem
amparadas, muito bem protegidas. Então rir de religião, no Brasil, sobretudo, é
rir do poder. É rir de quem está no poder. É rir da classe dominante, quase. Eu
vejo como uma coisa socialmente responsável. É isso que eu quero dizer. Porque
acho que existe uma responsabilidade social. Quando você ri de uma minoria,
você não está sendo politicamente incorreto, porque não existe correção política,
mas politicamente irresponsável. Você está batendo em alguém que já leva
porrada.
FRANCO:
Sim, entendi.
GREGORIO: E
religião, na minha opinião, não leva porrada. A religião no Brasil não leva.
Aliás, isso é mentira, o que eu tô falando. A religião católica é que não leva
porrada. Ontem mesmo eu tava vendo no Youtube um esquete dos Trapalhões com o
Didi imitando um pai de santo. Um pai de santo gay, fazendo todos os trejeitos
de um pai de santo.
PARDAL:
Chico Anysio tinha um também.
GREGORIO:
Tinha, o Painho. Então, rir da Umbanda, do Candomblé, no Brasil, não tem
problema. “Ah, não é nem religião”. Agora, com a religião católica não se
brinca. Não se brinca com Jesus. Na verdade, antigamente ria-se muito de quem
estava por baixo. O alvo do humor antigamente era negros, depois as loiras, os
pobres, muita piada de pobre...
DOMINGOS:
Gay.
GREGORIO: Gay,
obviamente. O humor era basicamente isso: a classe dominante rindo dos
desfavorecidos.
PARDAL:
Os opressores sobre os oprimidos.
GREGORIO:
Exatamente. Hoje em dia isso está mudando um pouquinho, e muita gente fala: “É
a patrulha do politicamente correto”. Tem um lado que não, que não é patrulha
nenhuma. Tem um lado que é uma conscientização. O humor está passando por um
processo civilizatório no Brasil. É importante pro humor passar por esse
processo de conscientização, de que não é só uma piada. Uma piada carrega junto
com ela muita coisa. Carrega um histórico. O bullying prova isso, né? Uma piada
não é só uma piada. Uma piada humilha, faz a pessoa sofrer.
DOMINGOS: Os
vídeos de vocês tratam de situações de preconceito, de minorias, de opressor e
oprimido, mas rindo muito mais de quem oprime do que de quem é oprimido. Agora,
falando do limite do humor, tem essa história que eu também ouvi do Tabet,
sobre os muçulmanos. Ele fala isso, que só não faz piada com muçulmano, porque
eles explodem gente...
GREGORIO: O
Tabet tá espalhando essa história por ai, de que a gente só não faz piada com
muçulmano, porque ele é muçulmano. A família dele é... (risos). To
zoando, ele não é. Eu tenho até que falar pra ele parar de falar isso.
DOMINGOS:
É uma piada que ele faz, mas é sério. Teve a história da charge de Maomé, na
Dinamarca...
GREGORIO: Eu
to falando do Tabet de sacanagem, mas teve um esquete que a gente não fez
pensando nisso.
PARDAL:
Era o quê?
GREGORIO: Era
muito legal. Um texto do Fábio, que era Deus reunindo os líderes das religiões
pra falar “Que porra é essa, que você está falando que eu...”. Era Deus tirando
satisfação. E era uma esculhambação com tudo, com a história das virgens, do
sacrifício... Era muito legal, muito engraçado.
FRANCO:
E porquê vocês não fizeram?
GREGORIO: Era
uma porrada muito direta, e ali a porrada era maior que a graça. Acho que nosso
parâmetro é um pouco esse. A gente está sendo mais agressivo ou mais engraçado?
PARDAL:
Mas você ia falar do Tabet, pra ele parar de falar isso...
GREGORIO: Ele
fica levantando essa bandeira, de que a gente só não fala do Islã pra não ser
bombardeado, e eu to com medo da gente estar incentivando os evangélicos a
bombardearem. O (Deputado e pastor Marco) Feliciano tem falado nas
entrevistas, “quero ver se eles estivessem no Irã”. Quase dizendo “lá é que é
bom, que pode matar”. O Brasil é um país que tem saudade da ditadura e inveja
do Irã. Agora tem uma comunidade... Comunidade é coisa do Orkut, né? (risos)
Uma fan page que é “Queremos Porta dos Fundos no Irã” (risos), querendo
deportar a gente pro Irã. Sei lá quantas pessoas curtiram. É uma piadinha...
DOMINGOS: ...mas
ao mesmo tempo mostra um lado muito subversivo de vocês. O humor que vocês
fazem também é capaz de incomodar o Irã. Talvez o Porta dos Fundos
transformasse o Irã. Antes de morrer, né? (risos).
GREGORIO: Ia
ser um sonho. Antes de ser explodido (risos).
—
O Feliciano tem falado nas entrevistas, “quero ver se
eles [Porta dos Fundos] estivessem no Irã”.
Quase dizendo “lá é que é bom,
Quase dizendo “lá é que é bom,
que pode matar”. O Brasil é um país que tem saudade
da ditadura e inveja do Irã.
—
PARDAL:
O sonho como espectador é que o Porta dos Fundos exista pra poder incomodar. O
humor feito em outros lugares, na mídia convencional, na televisão, por
exemplo, não pode fazer isso porque tem o rabo preso com tudo. É incrível que
vocês façam isso, e ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, o (David) Letterman
todos os dias fazia uma piada contra o Bush. Aqui a gente não pode fazer piada
contra nada.
GREGORIO: Não.
PARDAL:
Nos EUA, a última coisa que eles vão controlar em você é a sua liberdade de
expressão. Tem uma coisa na China, que se um poeta fizer um poema que vai
contra a política, ele é preso. Eu vi uma entrevista de um poeta chinês dizendo
que isso era bom, porque quer dizer que o poema é uma arma.
GREGORIO: Sim.
PARDAL:
O Seinfeld fala que humor não evolui. Que o humor ou é engraçado ou não é, e
ponto. Você acha que há novidade no humor? O humor evolui?
GREGORIO: O
humor evolui muito. Eu não acho que ou é engraçado ou não é. As vezes é
engraçado mas é velho. O humor evolui numa rapidez... Mil coisas que eu via,
que já achei hilário, eu revejo e acho que ficou velho. Chega a ser triste
pensar que as coisas ficam velhas. Que o Porta dos Fundos vai ficar velho.
Daqui a dez, vinte anos, é muito provável que vejam e falem: “Isso dai? As
pessoas riam disso?”. Esse quadro da umbanda, dos Trapalhões, eu fiquei meio
chocado quando revi. Tem outro esquete, por exemplo, que é um problema pra mim,
até mesmo conceitual, porque eu acho engraçado pra caralho, mas ele é
fronteiriço com o racismo. Tá lá o Mussum e o Tião Macalé no bar, e chega o
Didi, dizendo: “Ô diplomatas...”. E a graça toda é que o Didi fica chamando
eles “Ô embaixadores. Vocês não vão pagar a conta?”. Eu via e achava muito
engraçado. Outro dia revi e pensei: “Cara, isso dai é racista”. A graça toda
ali é que eles nunca seriam embaixadores.
DOMINGOS:
Nem diplomatas, nem bacharéis. Mas eles respondem com racismo também, né? “Ô,
cearense! Cearense é foda...”
GREGORIO:
Talvez seja isso que perdoe um pouco, que permita, porque eles estão entre
minorias ali.
FRANCO:
Voltando ao limite do humor, o Danilo Gentilli fez uma piada sobre o holocausto
e depois pediu desculpas. Também teve o caso do Rafinha Bastos com a Wanessa
Camargo. Você pediria desculpas por uma piada que soou mal?
GREGORIO: Com
certeza, cara.
FRANCO:
Já rolou? Alguma esquete que você tenha feito?
GREGORIO:
Olha, especificamente, nunca no Porta dos Fundos sentimos essa necessidade. Mas
se alguém vier pra mim e disser que se sentiu ofendido de verdade, a minha
primeira reação é pedir desculpas. Não tem como dizer o que é ofensivo ou não.
Sou a favor de pedir desculpas. Acho lindo. Se ofendeu, cara, você tem que
pedir desculpas.
PARDAL:
Vocês sempre deixaram claro que o Porta dos Fundos não é um caminho para se
chegar em algum lugar. A internet já é o lugar em si e vocês não querem sair
dali, talvez pela liberdade que a própria internet dá.
GREGORIO:
Total.
PARDAL:
Por que você acha que existe essa noção de que na televisão não se pode fazer
todas as coisas que vocês fazem no Porta?
GREGORIO:
Porque acho que não pode mesmo. E inclusive eu não sei se tem que ter. As
pessoas dizem “Ah, a televisão tinha que ter essa liberdade”, ah, vai ver que
não tem que ter. A televisão é uma mídia que fica ligada o tempo todo num bar,
a pessoa deixa ligada em casa, você não escolhe assistir. Então a relação com o
espectador é outra. Você tem um compromisso, tem que ter um puta cuidado porque
aquilo vai estar sendo visto por todo mundo a qualquer hora. A pessoa não pediu
necessariamente para ver aquilo, então ela tem que ter uma série gigantesca de
cuidados. A gente não quer entrar pra televisão, mesmo que a televisão nos
queira. Não queremos invadir a casa das pessoas falando as putarias que a gente
fala. É uma outra relação com espectador, que tá na base dos problemas de
conteúdo. O problema das novelas é que são feitas pra quem assiste de vez em
quando. Para o espectador que assiste uma vez por semana entender tudo. Então é
muito repetitiva, pasteurizada, sem grandes viradas. Novela é feita pra se poder
perder episódios. E isso me incomoda como espectador, mas faz parte da
linguagem dela. Então pra mim o problema não é do conteúdo da televisão, mas da
mídia em si, do próprio meio televisivo. As crianças hoje em dia não entendem
mais o que é televisão. O menino chega “Mãe, quero ver Backyadigans”, “Ah, mas
não tá passando”. Como é que não tá passando? A criança de hoje em dia não
entende que uma coisa precisa passar pra você assistir.
DOMINGOS: Que
tem um horário…
GREGORIO: Que
tem uma grade. Então é um conceito muito antigo.
—
O problema das novelas é que são feitas pra quem
assiste de vez em quando. Para o espectador que
assiste uma vez por semana entender tudo. Então
é muito repetitiva, pasteurizada, sem grandes viradas.
Novela é feita pra se poder perder episódios.
—
PARDAL:
Todas as pessoas com que conversei sobre o Porta dos Fundos me disseram se
sentir mais próximos de vocês dos que dos artistas de televisão.
GREGORIO:
Eu sinto muito isso das pessoas nas ruas. Elas se sentem meio parceiras.
Muitas pessoas falam “É por causa de mim que vocês fizeram sucesso, eu que
mostrei vocês pra todo mundo”. Muita gente tem essa impressão. E é uma
impressão real mesmo. Elas são as nossas antenas. A televisão investe nessas antenas
gigantes, que dá pra ver daqui, são caríssimas. Nossas antenas são os
espectadores que espalham.
DOMINGOS: Isso
tem muito mais a ver com o afeto que você estava falando.
GREGORIO:
Exatamente.
PARDAL:
Greg, como que tá isso de ganhar dinheiro na internet com o Porta dos Fundos?
Dá pra sobreviver trabalhando no Youtube?
GREGORIO: Dá.
A gente achava que ia ser uma produtora de vídeos pra internet, mas o que daria
dinheiro seriam os vídeos publicitários. Uma empresa com dois pés. Um mais pelo
prazer e outro pra sustentar esses vídeos. Mas o que aconteceu foram duas
coisas: primeiro, a gente viu que o pé da publicidade dava muito trabalho, um
trabalho que a gente não gosta muito, e a publicidade não está pronta pra um
humor mais maluco, mais iconoclasta, pra dar liberdade total pra gente. Então
esse pé nos deu mais trabalho do que dinheiro. Já o outro deu tão certo, dos
vídeos que a gente faz por prazer, que hoje em dia a gente ganha muito mais
dinheiro pelo Adsense que passa antes do vídeo. Aquilo ali dá um
dinheirinho pingado, mas com milhões de pessoas assistindo… A gente tem um
tráfego diário gigantesco no Porta. Três ou quatro milhões de pessoas por dia
estão vendo Porta dos Fundos. Isso aí é um dinheiro muito legal.
FRANCO:
Você ganha quanto por mês? Brincadeira (risos). Aquele sem noção.
GREGORIO: Por
enquanto nada. O que acontece é o seguinte: mesmo tendo aumentado muito a
receita, a gente tem aumentado os gastos. Hoje já são 35 pessoas trabalhando no
Porta. Não para de crescer.
DOMINGOS: Eu
queria falar sobre o seu livro de poesia. Você tem vários poemas curtos que
trabalham com uma linguagem telegráfica. O próprio título do livro já é isso,
“A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora”. Já é um poema curto.
Meio Oswald de Andrade, do poema piada modernista, que tem sempre uma chave de
ouro, um punchline. Como é essa conversa da poesia com o humor?
GREGORIO: Eu
gosto muito de poesia com humor e de humor com poesia. Acho que são coisas que
se complementam. A nossa geração tem uma galera que escreve uma certa poesia
com humor, a Bruna [Beber], a Alice [Sant'Anna] , vocês dos Sete
Novos (coletivo de poetas do qual Domingos faz parte), não descartam o
humor. Muitas vezes o humor é identificado com o que tem de ralo ou raso e não
se vê sua riqueza poética. Uma piada pode elucidar tanta coisa da vida. O Woody
Allen sabe bem disso. Ele quase sempre assina os filmes dele com uma piada. É a
piada que dá a moral dos seus filmes. Tem muita verdade numa piada, e muita
poesia escondida. Uma piada abre uma janela, parodiando o Mário Quintana. Foi o
Mário Quintana que falou, né, “Um poema abre uma janela, salva um afogado”.
Acho que a piada também tem essa função. Tem muitas poemas e piadas que ajudam
a viver. Que tornam a vida mais poética e engraçada.
DOMINGOS: Você
tem outro livro?
GREGORIO:
Tenho, vou lançar agora em Novembro.
PARDAL:
Como vai se chamar?
GREGORIO:
“Ligue os pontos”, à princípio.
FRANCO:
Ligue os pontos à princípio?
GREGORIO: Não,
(risos) só Ligue os pontos. À princípio. Vai sair em novembro.
FRANCO:
As coisas que você escreve partem dos acontecimentos na sua vida?
GREGORIO: Nem
sempre. Não sou muito autobiográfico, não. O que é mais inspirador é o próprio
fato de sentar na frente do computador e ter que ter uma ideia. E o prazo
também. É bom ter um revólver na cabeça, “Escreva, você tem que escrever”.
PARDAL:
A gente assistiu entrevistas recentes suas, e decidiu não falar sobre um
assunto que todas falam. A pergunta é: você já deu uma entrevista recente sem
falar da Clarice [Falcão, atriz e namorada do Gregorio]? (risos)
GREGORIO: Pois
é, hoje em dia a Clarice está tão incrivelmente estourada que realmente… há um
ano que é inevitável me perguntarem sobre ela.
PARDAL:
É que vocês estão tão em evidência que todo mundo quer saber das fofocas.
FRANCO:
Mas a gente não quer saber. (risos)
PARDAL:
Não, é só isso.
DOMINGOS: Então
essa foi a primeira entrevista que ele não falaria da Clarice.
GREGORIO:
Exatamente. Mas vamos falar de Clarice, é tão bom falar de Clarice, ela é tão
sensacional.
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Domingos, Gregorio, Franco (em cima) e Pardal. |
MAIS!
> Assista trechos da entrevista com o Gregorio Duvivier.
> Acha que faltou alguma questão? Tem alguma pergunta pra fazer ao Gregorio? Escreva a sua pergunta nos comentários abaixo que daqui a 6 dias ele vai responder.
—
Entrevistadores: Domingos Guimaraens, Franco Fanti e Gabriel Pardal.
Produção: Gabriel Pardal e Vitor Paiva.
Transcrição: Gabriel Pardal e Vitor Paiva.
Fotos: Camilo Lobo
Vídeo: Vitor Paiva
Vídeo: Vitor Paiva
Conta: 1 Cerveja; 1 Café com Leite; 3 Águas; 1 Mocchiato; 1 Pão na chapa