ORNITORRINCO ENTREVISTA: GREGORIO DUVIVIER


Gregorio respondeu que estaria livre às 11h da manhã de uma sexta-feira. Causou rebuliço no escritório do ORNITORRINCO, os funcionários teriam que acordar cedo para trabalhar. Pois missão dada é... às 9h estávamos comendo pastel na feira do Baixo Gávea. Para entrevistá-lo, escalei o colunista Franco Fanti — que é roteirista e um dos fundadores do Hermes & Renato —, e o colunista Domingos Guimaraens, que, assim como nosso entrevistado, se formou em Letras na PUC-RJ.

Um pouco de biografia: Gregorio Duvivier nasceu no Rio de Janeiro em 11 de abril de 1986, começou a estudar interpretação no curso de teatro do Tablado, e lá descortinou sua vocação para a comédia. Aos 17 anos formou o grupo que faria a peça Z.É - Zenas Emprovisadas, que ficou mais de seis anos em cartaz no país. Se formou em Letras e publicou o livro de poesia "A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora" (7 Letras, 2008). Realizou dezenas de peças, filmes e no ano passado fundou o Porta dos Fundos, é o quinto maior canal de comédia do mundo no Youtube.

Combinamos o encontro na frente dos bares no Baixo Gávea. Assim que ele chegou, fomos juntos caminhando até um café no Parque do Jardim Botânico. Estávamos munidos de muitas questões e curiosidades sobre a produção do humor nacional, a relação entre internet e televisão, o valor do sucesso, e Gregorio, com sua presença calma e tranquila, respondeu as perguntas com o raciocínio rápido. A conversa durou um pouco mais que uma hora. 

- Gabriel Pardal                 

GABRIEL PARDAL: Como é que você está com câmeras? Já se acostumou com a câmera olhando pra você?
GREGORIO DUVIVIER:  Não tem problema não, eu lido bem com isso.
PARDAL: Você fica nervoso?
GREGORIO: Não, tô acostumado.
PARDAL: Você é perseguido por Paparazzi ou isso não acontece contigo? Pessoas te param na rua para tirar foto contigo?
GREGORIO: As pessoas na rua sim. Mas Paparazzi não se interessam por webcelebridades (risos). Ou subcelebridades, como você preferir.
PARDAL: Como o humor começou pra você? Você era o cara engraçado dos amigos, da escola?
GREGORIO: Quando eu era pequeno, com uns 12 ou 13 anos, eu era o tímido. Aí entrei no Tablado e lá descobri que gostava de fazer graça, e passei a ser o engraçado da sala. O cara que fazia teatro. Foi uma mudança na minha vida.
PARDAL: No seu início no teatro, você já tinha essa escolha consciente pela comédia, ao invés do drama?
GREGORIO: O que rolava era uma afinidade sobretudo com a comédia. O Tablado tem uma coisa de comédia muito forte. Talvez se eu tivesse feito outro curso, não teria ido pra comédia. O riso é uma experiência muito viciante, transformadora. Você fazer as pessoas rirem é uma coisa que supre a sua carência, logo te gera necessidade. Eu lembro que ficava contando os dias para…. Eu lembro muito dessa mudança, de que eu era um cara tímido e daí quando fui pro Tablado, alguma coisa que falei, alguma besteira que falei, as pessoas riram de mim, de tão esquisito e tímido que eu era. Tinha uma voz aguda, era menor de tamanho.
FRANCO FANTI: Você faz humor pra isso? Pra gerar o riso? Por que você faz humor?
GREGORIO: É uma ótima pergunta… (pensativo) Acho que inicialmente para suprir uma carência. O riso te dá afeto, passa muito por gostar daquilo de que se está rindo. Eu tenho essa teoria particular. Quando você lê esses caras que falam sobre o riso, eles falam que tem a ver com distanciamento, com superioridade, e eu não acho isso. Pra mim passa muito mais pelo afeto. Você ri muito mais de quem você gosta. Às vezes em que você mais riu na vida foi entre amigos.

O riso te dá afeto, passa muito por gostar daquilo de que 
se está rindo. Eu tenho essa teoria particular. Quando você lê 
esses caras que falam sobre o riso, eles falam que tem a ver 
com distanciamento, com superioridade, e eu não acho isso. 
Pra mim passa muito mais pelo afeto.

FRANCO: Como você acha que a imagem que você passa como humorista se relaciona com o que você realmente é?
GREGORIO: O barato do ator é criar mecanismos para se expor sem risco. Foi o que me fascinou. Eu era tímido e a vivência do palco ajuda a criar uma persona para suportar a exposição. Ser ator não é equivalente a se expor. É o contrário até. Vi uma vez uma entrevista do (Marco) Nanini, que é um tímido, falando que descobriu o que era se expor quando escreveu uma peça. Achou terrível, achou a coisa mais devastadora da própria intimidade, parecia que ele estava expondo a alma. E na vida tem esse descompasso. Eu não me sinto muito a vontade com a exposição no dia a dia. Não é uma coisa que eu busco.  
FRANCO: Mas acontece. As pessoas acham que te conhecem.
GREGORIO: Rola uma expectativa muito grande de que você supra o que o cara imagina que você seja. Mas comigo não rola tanto, talvez por eu fazer um tipo de humor mais low-profile,  mais brando, não sou um cara histriônico. Diferente do Leandro Hassum, ou do Fábio Porchat. Com o Porchat, todos esperam que ele seja engraçado o tempo todo, e ele é engraçado o tempo todo. As pessoas tem mais comigo uma reação de me sacanear, “Pô, você é baixinho mesmo”. E  não me importo, porque meio que criei isso, de me colocar nesse papel.
DOMINGOS GUIMARAENS: Você acha que fazer rir é uma arte mais séria do que fazer chorar? É mais forte ou mais difícil conseguir fazer rir do que fazer chorar? Você vê alguma relação nisso, ou são coisas totalmente diferentes?
GREGORIO: Não, eu vejo muita relação. Acho até que são próximos, de alguma maneira. Os dois pressupõem uma comoção para com o espectador. Acho que o riso é uma comoção, ele está envolvido com a história, ele criou uma expectativa e de repente quebrou ela, ou foi invertida, e por isso ele riu. Então o riso, como o choro, dependem dessa identificação do espectador. Agora uma diferença do riso, e por isso ele é tão perigoso, é que as pessoas riem por mil razões. Podem estar rindo de você porque gostam de você, mas muitas vezes também porque querem ver até onde você vai.
Pardal e Gregorio

PARDAL: O humor é muito potente. É uma arma. Você pode trabalhar o humor de uma forma política, pode ser um cronista de humor. E há uma certa tradição de se fazer humor como um perdedor, tipo Woody Allen, Bill Murray, Louis CK, que fazem humor sobre as suas tristezas e derrotas. Geralmente a gente fala que para se construir um poema de amor, o sofrimento é inspirador. É também possível fazer humor pela tristeza?
GREGORIO: Acho que é fundamental fazer humor pela tristeza, porque a matéria do riso quase nunca é o riso, quase nunca é a alegria. Alegria não tem metade da graça da tristeza ou da desgraça. A tristeza gera humor porque o humor passa muito por uma indignação real. Por uma tristeza real, uma coisa de verdade. Eu tenho a impressão de que o humor passa muito pela verdade, por uma identificação com uma verdade, seja ela momentânea, tipo “Ah, pode crer. No Spoletto me servem assim mesmo”, seja uma verdade eterna, absoluta, de que vamos morrer. E em geral são verdades meio tristes.
FRANCO: Suas fontes para escrever um roteiro de humor são as mesmas para sua coluna de jornal? Ou são diferentes formas de se criar?
GREGORIO: Acho que a fonte é a mesma. Em geral são as sacações, vamos dizer assim, do dia a dia. Você vê que ali tem um material poético. O material poético e o material de humor são meio parecidos, no sentido de que os dois são pequenas subversões do que se espera. São puxadas de tapete, sabe? Claro que no caso do Porta a gente pega esse material supostamente poético e chuta a porta. Faz uma coisa sem poesia nenhuma, com o foco quase que exclusivamente na graça. Agora, tem um negócio legal do Porta, que passa um pouco pela tristeza...
CAMILO LOBO: (para Pardal) Quer uma cerveja?
PARDAL: (para a garçonete) Qual cerveja vocês tem?
GARÇONETE: Temos Therezópolis de 600ml.
PARDAL: Isso ai. Uma, por favor.
GARÇONETE: Quer a Gold ou a preta?
PARDAL: Gold.
FRANCO: Isso entra na entrevista também?
PARDAL: Entra. É patrocínio (risos). Nosso momento merchan. Eu combinei com ela. Não tem só essa marca de cerveja, mas eu combinei com ela (risos).
GREGORIO: Tem que ter algumas inserções da marca (risos).
FRANCO: Mas você tava falando, com relação à tristeza, uma coisa legal do Porta...
GREGORIO: O legal do Porta é que a encenação é um pouquinho triste. É uma coisa do Ian (SBF), do diretor, que não dirige com cara de comédia. Isso eu acho muito importante.
FRANCO: É. Comédia que quer ser comédia eu não gosto. Que quer ser engraçada. Não dá pra querer ser engraçado.
GREGORIO: Exatamente.


Acho que é fundamental fazer humor pela tristeza, 
porque a matéria do riso quase nunca é o riso, quase 
nunca é a alegria. Alegria não tem metade da graça da
tristeza ou da desgraça. A tristeza gera humor porque 
o humor passa muito por uma indignação real.


PARDAL: Como é que funciona o Porta? Vocês levam o roteiro, fazem uma reunião, tem briga pra ver qual vai ser o próximo roteiro?
GREGORIO: Nós somos quatro roteiristas. Cada um de nós quatro chega com dois textos por semana. Em geral, na segunda a gente se reúne com dois textos. Eu sou o mais deficitário. O mais complicado ali.
FRANCO: Então vocês não criam juntos?
GREGORIO: Não.
FRANCO: Você chega já com o roteiro, e vocês discutem o que pode melhorar?
GREGORIO: Exatamente. Ai a gente quase sempre reescreve. Isso é meio diferente das outras coisas que eu já tinha feito. Tive que aprender o desapego, sabe? Já não tenho muitas ideias, quando tenho uma ideia, levo com uma puta expectativa, e não rola... E a maioria das ideias não rola, isso é muito legal do Porta. São oito esquetes por semana que a gente leva, mas só produzimos dois.
DOMINGOS: E o resto vai pro lixo, ou você usa na outra semana?
GREGORIO: Muitas vão pro lixo. Algumas a gente reescreve. A gente vota e decide. A grande maioria a gente aprova com restrições, sabe? “Reescreve esse final, reescreve sei lá o quê...”. Muitas vezes passa pra outra pessoa reescrever. Então tem um processo de desapego do texto, que pra mim é difícil mas é muito bom. Muito importante.
FRANCO: Você prefere escrever dessa forma, coletivamente, ou a sua coluna, em que você decide tudo sozinho?
GREGORIO: Tem uma coisa legal de que a coluna pode ser triste, pode nem ser engraçada, sabe? As ideias mais loucas eu levo pra coluna. Não só as impossíveis de se filmar, mas às vezes as mais tristes, menos populares, vamos dizer assim. Porque o Porta também tem, hoje em dia, não a obrigação de ser popular, mas um compromisso. Cada vídeo que a gente põe tem sido visto por dois, três milhões de pessoas. Então a gente tem o compromisso de atingir muita gente. De ser muito comunicativo.
DOMINGOS: Existe humor fácil? Fazer humor com clichês, gays, negros, minorias, judeu...
GREGORIO: Acho que existe. Tem um tipo de humor que é muito comum, talvez o mais comum, que é o da confirmação de expectativa. É o humor da loira burra, do português burro. Entra um português na piada, você sabe que ele vai ser burro. E a graça, entre aspas, é que ele é burro. O sucesso do Stand-up passa muito por ai. Nem todo Stand-up é assim, mas muitos são. Muita gente vai ao teatro pra confirmar o estereótipo da classe média. “Ah, motoboy é uma merda mesmo”. Em São Paulo só falam de motoboy. Ai aplaudem quando o cara fala que motoboy tem que morrer. Então existe sim um humor de confirmação de estereótipos, ou de perpetuação de estereótipos. É com certeza um humor mais bobo. Rende menos frutos do que um humor que puxa o tapete, como a gente tava falando.

(Gregorio repara que na mesa ao lado uma mulher está tirando fotos suas com o celular)
GREGORIO: Tá tirando...
MULHER: É que eu tenho que mostrar pro meu namorado que eu vi você. Ele não vai acreditar.
GREGORIO: Conta, que ele vai acreditar. (risos)
MULHER: Eu tenho que mostrar.
CAMILO: Você já assistiu aquele programa da HBO, Talking Funny, com Seinfeld, Ricky Gervais, Louis CK e Chris Rock?
GREGORIO: Sim.
CAMILO: Eles falam sobre processo criativo, como eles fazem, como começaram com Stand-up, e como descobriram que a piada fácil, como você estava falando, levava eles até um certo ponto, mas não colocava eles no patamar que estão hoje. Louis CK fala que tem gente que acha que fazer piada com palavrão é fácil, que falar “Fuck” no palco provoca riso fácil. Mas vai fazer uma piada boa de verdade só com palavrão. Quero ver fazer uma plateia rir falando “Fuck” simplesmente.
GREGORIO: Total. Muita gente confunde humor fácil com palavrão, por exemplo. Eu não acho que seja, mesmo. Quando você fala palavrão, pode até provocar um riso fácil em algumas pessoas, mas provoca uma rejeição fácil também em muitas outras. É muito arriscado. Realmente é muito difícil trabalhar com palavrão. É uma arte. Eu, por exemplo, não sou bom de palavrão. Não tenho muita propriedade. Quando falo, não funciona tanto. O Fábio [Porchat] falando palavrão é hilário, ele tem um hall de palavrões. O [Fernando] Caruso fala muito bem palavrão.
FRANCO: Essa frase é ótima. “Ele fala muito bem palavrão”. (risos)
PARDAL:  Qual é a medida do sucesso no humor? É simplesmente ser engraçado? E existe o humor underground? Quem é o Lars Von Trier do humor?
GREGORIO: Cara, essa é uma ótima pergunta, porque as pessoas não levam isso muito em conta. Elas acham que o humor é um bloco dentro de outras classes, vamos dizer. Então tem o cinema, e dentro do cinema tem o humor. Tem a televisão, e dentro da televisão tem o humor, que seria um bloco homogêneo. Mas existe a vanguarda do humor, existe o mainstream do humor, o underground, o anti-humor também. Eu acho que o Porta dos Fundos tem uma vibe um pouquinho maldita sim.
DOMINGOS: Subversivo...
GREGORIO: Subversivo. Tem uma ausência de filtros, fundamental, aliás, pro humor que a gente faz, que torna ele um pouquinho underground, sim. Não é o mais underground. Há um lado mainstream, no sentido que ele fala com muita gente. Tem um pouco dos dois, tenho a impressão.

No Brasil as pessoas acham religião uma minoria. 
Acham que cristão é uma minoria. Não é uma minoria 
nem em termos numéricos nem em termos financeiros.
Então rir de religião, no Brasil, sobretudo, é rir do poder.
É rir de quem está no poder. É rir da classe dominante, quase. 
 


FRANCO: Falando sobre filtros, você acha que qualquer coisa pode ser zoada?
GREGORIO: Sim, qualquer coisa pode virar humor, mas algumas coisas vão te fazer ralar muito pra fazer as pessoas rirem daquilo. E em algumas coisas, sobretudo, você vai ser muito indelicado, muito feio.
FRANCO: Tipo o quê?
GREGORIO: Fazer humor com minorias, por exemplo. Eu acho errado rir, por exemplo, de um cara falando errado. Eu acho bobo, no sentido que se está perpetuando um estereótipo. Está fazendo o que todo mundo espera que se faça. Você não está trabalhando com nenhum tipo de inversão. Ao invés de estar questionando uma ferida da sociedade, se está aumentando ela. O humor do garoto que pratica bullying, sabe?

Pardal, Domingos, Franco e Gregorio

FRANCO: Programas como o Pânico na TV, por exemplo, fazem um pouco bullying. Se fizessem com você, se é que já não fizeram, como você lidaria com isso, sendo um humorista?
GREGORIO: Obviamente é difícil lidar com o fato de ser zoado. Mas eu tô acostumado. Acho que não tem como ser humorista e não ter esse teto de vidro, não abrir a porteira para ser zoado. Faz parte de ser um comediante. É muito complicado um comediante vaidoso.
FRANCO: Mas um vídeo como o do Jesus na xana da mulher (risos) não é a mesma coisa? Entende?
GREGORIO: Entendo total. Eu acho que não é a mesma coisa, porque no Brasil as pessoas acham religião uma minoria. Acham que cristão é uma minoria. Não é uma minoria nem em termos numéricos nem em termos financeiros. São instituições riquíssimas, tanto a igreja católica quanto as igrejas de modo geral. E além de riquíssimas, tem um braço fortíssimo no governo, no poder. São muito bem amparadas, muito bem protegidas. Então rir de religião, no Brasil, sobretudo, é rir do poder. É rir de quem está no poder. É rir da classe dominante, quase. Eu vejo como uma coisa socialmente responsável. É isso que eu quero dizer. Porque acho que existe uma responsabilidade social. Quando você ri de uma minoria, você não está sendo politicamente incorreto, porque não existe correção política, mas politicamente irresponsável. Você está batendo em alguém que já leva porrada.
FRANCO: Sim, entendi.
GREGORIO: E religião, na minha opinião, não leva porrada. A religião no Brasil não leva. Aliás, isso é mentira, o que eu tô falando. A religião católica é que não leva porrada. Ontem mesmo eu tava vendo no Youtube um esquete dos Trapalhões com o Didi imitando um pai de santo. Um pai de santo gay, fazendo todos os trejeitos de um pai de santo.
PARDAL: Chico Anysio tinha um também.
GREGORIO: Tinha, o Painho. Então, rir da Umbanda, do Candomblé, no Brasil, não tem problema. “Ah, não é nem religião”. Agora, com a religião católica não se brinca. Não se brinca com Jesus. Na verdade, antigamente ria-se muito de quem estava por baixo. O alvo do humor antigamente era negros, depois as loiras, os pobres, muita piada de pobre...
DOMINGOS: Gay.
GREGORIO: Gay, obviamente. O humor era basicamente isso: a classe dominante rindo dos desfavorecidos.
PARDAL: Os opressores sobre os oprimidos.
GREGORIO: Exatamente. Hoje em dia isso está mudando um pouquinho, e muita gente fala: “É a patrulha do politicamente correto”. Tem um lado que não, que não é patrulha nenhuma. Tem um lado que é uma conscientização. O humor está passando por um processo civilizatório no Brasil. É importante pro humor passar por esse processo de conscientização, de que não é só uma piada. Uma piada carrega junto com ela muita coisa. Carrega um histórico. O bullying prova isso, né? Uma piada não é só uma piada. Uma piada humilha, faz a pessoa sofrer.
DOMINGOS: Os vídeos de vocês tratam de situações de preconceito, de minorias, de opressor e oprimido, mas rindo muito mais de quem oprime do que de quem é oprimido. Agora, falando do limite do humor, tem essa história que eu também ouvi do Tabet, sobre os muçulmanos. Ele fala isso, que só não faz piada com muçulmano, porque eles explodem gente... 
GREGORIO: O Tabet tá espalhando essa história por ai, de que a gente só não faz piada com muçulmano, porque ele é muçulmano. A família dele é... (risos). To zoando, ele não é. Eu tenho até que falar pra ele parar de falar isso.
DOMINGOS: É uma piada que ele faz, mas é sério. Teve a história da charge de Maomé, na Dinamarca...
GREGORIO: Eu to falando do Tabet de sacanagem, mas teve um esquete que a gente não fez pensando nisso.
PARDAL: Era o quê?
GREGORIO: Era muito legal. Um texto do Fábio, que era Deus reunindo os líderes das religiões pra falar “Que porra é essa, que você está falando que eu...”. Era Deus tirando satisfação. E era uma esculhambação com tudo, com a história das virgens, do sacrifício... Era muito legal, muito engraçado.
FRANCO: E porquê vocês não fizeram?
GREGORIO: Era uma porrada muito direta, e ali a porrada era maior que a graça. Acho que nosso parâmetro é um pouco esse. A gente está sendo mais agressivo ou mais engraçado?
PARDAL: Mas você ia falar do Tabet, pra ele parar de falar isso...
GREGORIO: Ele fica levantando essa bandeira, de que a gente só não fala do Islã pra não ser bombardeado, e eu to com medo da gente estar incentivando os evangélicos a bombardearem. O (Deputado e pastor Marco) Feliciano tem falado nas entrevistas, “quero ver se eles estivessem no Irã”. Quase dizendo “lá é que é bom, que pode matar”. O Brasil é um país que tem saudade da ditadura e inveja do Irã. Agora tem uma comunidade... Comunidade é coisa do Orkut, né? (risos) Uma fan page que é “Queremos Porta dos Fundos no Irã” (risos), querendo deportar a gente pro Irã. Sei lá quantas pessoas curtiram. É uma piadinha...
DOMINGOS: ...mas ao mesmo tempo mostra um lado muito subversivo de vocês. O humor que vocês fazem também é capaz de incomodar o Irã. Talvez o Porta dos Fundos transformasse o Irã. Antes de morrer, né? (risos).
GREGORIO: Ia ser um sonho. Antes de ser explodido (risos).


Feliciano tem falado nas entrevistas, “quero ver se 
eles [Porta dos Fundos] estivessem no Irã”. 
Quase dizendo “lá é que é bom, 
que pode matar”. O Brasil é um país que tem saudade 
da ditadura e inveja do Irã. 

PARDAL: O sonho como espectador é que o Porta dos Fundos exista pra poder incomodar. O humor feito em outros lugares, na mídia convencional, na televisão, por exemplo, não pode fazer isso porque tem o rabo preso com tudo. É incrível que vocês façam isso, e ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, o (David) Letterman todos os dias fazia uma piada contra o Bush. Aqui a gente não pode fazer piada contra nada.
GREGORIO: Não.
PARDAL: Nos EUA, a última coisa que eles vão controlar em você é a sua liberdade de expressão. Tem uma coisa na China, que se um poeta fizer um poema que vai contra a política, ele é preso. Eu vi uma entrevista de um poeta chinês dizendo que isso era bom, porque quer dizer que o poema é uma arma.
GREGORIO: Sim.
PARDAL: O Seinfeld fala que humor não evolui. Que o humor ou é engraçado ou não é, e ponto. Você acha que há novidade no humor? O humor evolui?
GREGORIO: O humor evolui muito. Eu não acho que ou é engraçado ou não é. As vezes é engraçado mas é velho. O humor evolui numa rapidez... Mil coisas que eu via, que já achei hilário, eu revejo e acho que ficou velho. Chega a ser triste pensar que as coisas ficam velhas. Que o Porta dos Fundos vai ficar velho. Daqui a dez, vinte anos, é muito provável que vejam e falem: “Isso dai? As pessoas riam disso?”. Esse quadro da umbanda, dos Trapalhões, eu fiquei meio chocado quando revi. Tem outro esquete, por exemplo, que é um problema pra mim, até mesmo conceitual, porque eu acho engraçado pra caralho, mas ele é fronteiriço com o racismo. Tá lá o Mussum e o Tião Macalé no bar, e chega o Didi, dizendo: “Ô diplomatas...”. E a graça toda é que o Didi fica chamando eles “Ô embaixadores. Vocês não vão pagar a conta?”. Eu via e achava muito engraçado. Outro dia revi e pensei: “Cara, isso dai é racista”. A graça toda ali é que eles nunca seriam embaixadores.
DOMINGOS: Nem diplomatas, nem bacharéis. Mas eles respondem com racismo também, né? “Ô, cearense! Cearense é foda...”
GREGORIO: Talvez seja isso que perdoe um pouco, que permita, porque eles estão entre minorias ali.
FRANCO: Voltando ao limite do humor, o Danilo Gentilli fez uma piada sobre o holocausto e depois pediu desculpas. Também teve o caso do Rafinha Bastos com a Wanessa Camargo. Você pediria desculpas por uma piada que soou mal?
GREGORIO: Com certeza, cara.
FRANCO: Já rolou? Alguma esquete que você tenha feito?
GREGORIO: Olha, especificamente, nunca no Porta dos Fundos sentimos essa necessidade. Mas se alguém vier pra mim e disser que se sentiu ofendido de verdade, a minha primeira reação é pedir desculpas. Não tem como dizer o que é ofensivo ou não. Sou a favor de pedir desculpas. Acho lindo. Se ofendeu, cara, você tem que pedir desculpas.
PARDAL: Vocês sempre deixaram claro que o Porta dos Fundos não é um caminho para se chegar em algum lugar. A internet já é o lugar em si e vocês não querem sair dali, talvez pela liberdade que a própria internet dá.
GREGORIO: Total.
PARDAL: Por que você acha que existe essa noção de que na televisão não se pode fazer todas as coisas que vocês fazem no Porta?
GREGORIO: Porque acho que não pode mesmo. E inclusive eu não sei se tem que ter. As pessoas dizem “Ah, a televisão tinha que ter essa liberdade”, ah, vai ver que não tem que ter. A televisão é uma mídia que fica ligada o tempo todo num bar, a pessoa deixa ligada em casa, você não escolhe assistir. Então a relação com o espectador é outra. Você tem um compromisso, tem que ter um puta cuidado porque aquilo vai estar sendo visto por todo mundo a qualquer hora. A pessoa não pediu necessariamente para ver aquilo, então ela tem que ter uma série gigantesca de cuidados. A gente não quer entrar pra televisão, mesmo que a televisão nos queira. Não queremos invadir a casa das pessoas falando as putarias que a gente fala. É uma outra relação com espectador, que tá na base dos problemas de conteúdo. O problema das novelas é que são feitas pra quem assiste de vez em quando. Para o espectador que assiste uma vez por semana entender tudo. Então é muito repetitiva, pasteurizada, sem grandes viradas. Novela é feita pra se poder perder episódios. E isso me incomoda como espectador, mas faz parte da linguagem dela. Então pra mim o problema não é do conteúdo da televisão, mas da mídia em si, do próprio meio televisivo. As crianças hoje em dia não entendem mais o que é televisão. O menino chega “Mãe, quero ver Backyadigans”, “Ah, mas não tá passando”. Como é que não tá passando? A criança de hoje em dia não entende que uma coisa precisa passar pra você assistir.
DOMINGOS: Que tem um horário…
GREGORIO: Que tem uma grade. Então é um conceito muito antigo.


O problema das novelas é que são feitas pra quem 
assiste de vez em quando. Para o espectador que 
assiste uma vez por semana entender tudo. Então
 é muito repetitiva, pasteurizada, sem grandes viradas. 
Novela é feita pra se poder perder episódios. 

PARDAL: Todas as pessoas com que conversei sobre o Porta dos Fundos me disseram se sentir mais próximos de vocês dos que dos artistas de televisão.
GREGORIO: Eu sinto muito isso das pessoas nas ruas.  Elas se sentem meio parceiras. Muitas pessoas falam “É por causa de mim que vocês fizeram sucesso, eu que mostrei vocês pra todo mundo”. Muita gente tem essa impressão. E é uma impressão real mesmo. Elas são as nossas antenas. A televisão investe nessas antenas gigantes, que dá pra ver daqui, são caríssimas. Nossas antenas são os espectadores que espalham.
DOMINGOS: Isso tem muito mais a ver com o afeto que você estava falando.
GREGORIO: Exatamente.
PARDAL: Greg, como que tá isso de ganhar dinheiro na internet com o Porta dos Fundos? Dá pra sobreviver trabalhando no Youtube?
GREGORIO: Dá. A gente achava que ia ser uma produtora de vídeos pra internet, mas o que daria dinheiro seriam os vídeos publicitários. Uma empresa com dois pés. Um mais pelo prazer e outro pra sustentar esses vídeos. Mas o que aconteceu foram duas coisas: primeiro, a gente viu que o pé da publicidade dava muito trabalho, um trabalho que a gente não gosta muito, e a publicidade não está pronta pra um humor mais maluco, mais iconoclasta, pra dar liberdade total pra gente. Então esse pé nos deu mais trabalho do que dinheiro. Já o outro deu tão certo, dos vídeos que a gente faz por prazer, que hoje em dia a gente ganha muito mais dinheiro pelo Adsense que passa antes do vídeo. Aquilo ali dá um dinheirinho pingado, mas com milhões de pessoas assistindo… A gente tem um tráfego diário gigantesco no Porta. Três ou quatro milhões de pessoas por dia estão vendo Porta dos Fundos. Isso aí é um dinheiro muito legal.
FRANCO: Você ganha quanto por mês? Brincadeira (risos). Aquele sem noção.
GREGORIO: Por enquanto nada. O que acontece é o seguinte: mesmo tendo aumentado muito a receita, a gente tem aumentado os gastos. Hoje já são 35 pessoas trabalhando no Porta. Não para de crescer.
DOMINGOS: Eu queria falar sobre o seu livro de poesia. Você tem vários poemas curtos que trabalham com uma linguagem telegráfica. O próprio título do livro já é isso, “A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora”. Já é um poema curto. Meio Oswald de Andrade, do poema piada modernista, que tem sempre uma chave de ouro, um punchline. Como é essa conversa da poesia com o humor?
GREGORIO: Eu gosto muito de poesia com humor e de humor com poesia. Acho que são coisas que se complementam. A nossa geração tem uma galera que escreve uma certa poesia com humor, a Bruna [Beber], a Alice [Sant'Anna] , vocês dos Sete Novos (coletivo de poetas do qual Domingos faz parte), não descartam o humor. Muitas vezes o humor é identificado com o que tem de ralo ou raso e não se vê sua riqueza poética. Uma piada pode elucidar tanta coisa da vida. O Woody Allen sabe bem disso. Ele quase sempre assina os filmes dele com uma piada. É a piada que dá a moral dos seus filmes. Tem muita verdade numa piada, e muita poesia escondida. Uma piada abre uma janela, parodiando o Mário Quintana. Foi o Mário Quintana que falou, né, “Um poema abre uma janela, salva um afogado”. Acho que a piada também tem essa função. Tem muitas poemas e piadas que ajudam a viver. Que tornam a vida mais poética e engraçada.
DOMINGOS: Você tem outro livro?
GREGORIO: Tenho, vou lançar agora em Novembro.
PARDAL: Como vai se chamar?
GREGORIO: “Ligue os pontos”, à princípio.
FRANCO: Ligue os pontos à princípio?
GREGORIO: Não, (risos) só Ligue os pontos. À princípio. Vai sair em novembro.
FRANCO: As coisas que você escreve partem dos acontecimentos na sua vida?
GREGORIO: Nem sempre. Não sou muito autobiográfico, não. O que é mais inspirador é o próprio fato de sentar na frente do computador e ter que ter uma ideia. E o prazo também. É bom ter um revólver na cabeça, “Escreva, você tem que escrever”.
PARDAL: A gente assistiu entrevistas recentes suas, e decidiu não falar sobre um assunto que todas falam. A pergunta é: você já deu uma entrevista recente sem falar da Clarice [Falcão, atriz e namorada do Gregorio]? (risos)
GREGORIO: Pois é, hoje em dia a Clarice está tão incrivelmente estourada que realmente… há um ano que é inevitável me perguntarem sobre ela.
PARDAL: É que vocês estão tão em evidência que todo mundo quer saber das fofocas.
FRANCO: Mas a gente não quer saber. (risos)
PARDAL: Não, é só isso.
DOMINGOS: Então essa foi a primeira entrevista que ele não falaria da Clarice.
GREGORIO: Exatamente. Mas vamos falar de Clarice, é tão bom falar de Clarice, ela é tão sensacional.




Domingos, Gregorio, Franco (em cima) e Pardal.

MAIS!
> Assista trechos da entrevista com o Gregorio Duvivier.
> Acha que faltou alguma questão? Tem alguma pergunta pra fazer ao Gregorio? Escreva a sua pergunta nos comentários abaixo que daqui a 6 dias ele vai responder.



Entrevistadores: Domingos Guimaraens, Franco Fanti e Gabriel Pardal.
Produção: Gabriel Pardal e Vitor Paiva.
Transcrição: Gabriel Pardal e Vitor Paiva.
Fotos: Camilo Lobo
Vídeo: Vitor Paiva
Conta: 1 Cerveja; 1 Café com Leite; 3 Águas; 1 Mocchiato; 1 Pão na chapa