Caminho pelas ruas de Curitiba e sempre observo as construções, os prédios mais famosos, aquele giratório que não deu muito certo, mas ainda esperamos que dê. Afinal, um prédio tão caro sem habitantes é melancólico, mas os apartamentos irão custar uma fortuna e não vai deixar de ser melancólico. Eu não vou morar lá, também, não sei se queria, nunca quis morar naquele bairro, acho que a minha história não é giratória. Ficaria tonta ao mudar para o outro lado da cidade, aqui eu tenho a minha infância, o melhor lugar sempre.
Deixo a minha casa para viajar, como diria o título daquele filme, "Viajo porque preciso, Volto porque te amo". Às vezes preciso sair para sentir saudades dos amores que deixei na rotina que frequentemente reclamo, mas a rotina é a vida que escolhemos. Nas novas cidades que visito entro em conflito com a arquitetura, ir para Balneário Camboriú em Santa Catarina e ser rodeada por prédios padronizados, chegar em São Paulo e achar tudo cinza, talvez por ter internalizado a sua fama de cidade cinza ou por sentir falta de árvores pelas calçadas da Avenida Paulista. Para o Nordeste eu nunca fui, sempre imaginei as praias e a alegria carnavalesca, assim como devem imaginar Curitiba como fria e pouco acolhedora, temos fama de não dar informações a estranhos, não sei se isso é verdade, assim como o Nordeste certamente não é só praia e carnaval. No filme "O Som ao Redor", Kleber Mendonça Filho critica a arquitetura que tornou Recife uma praia com grades, a classe média por medo, se acovarda de si mesma dentro de edifícios de ‘segurança máxima’, afastando-se de todos para proteger-se de um perigo abstrato.
O filme "Medianeiras" registra o distanciamento do ser humano por meio das construções, as paredes crescem descontroladas e imperfeitas, no ritmo que nos isolamos. As irregularidades nos padrões das construções evidenciam a irregularidade humana, as desigualdades estéticas (sociais) e éticas (emocionais). Passamos a viver como inquilinos, a cultura do aluguel temporário que dura mais que o esperado. Passamos a gostar da solidão estipulada pela cultura da boa vizinhança de não ser invasivo, um bom exemplo da fama curitibana.
Com o crescimento urbano, que não significa crescimento humano, recorremos à internet, lá não há paredes, bastam cliques e estamos com quem queremos, não precisamos enfrentar o trânsito, tão caótico quanto as paredes cinzas que observamos enquanto esperamos o sinal abrir. Não precisamos encarar o mau humor, todo mundo online esbanja simpatia, mas causa insegurança quando não responde imediatamente a sua piada sobre qualquer assunto aleatório. No bate-papo falamos de qualquer coisa, ninguém consegue ver nossa cara de idiota com medo que o assunto não interesse a ninguém. Na internet a falta de sintonia entre os diálogos se resolve com hahaha, hehehe e seus derivados que demonstram a singularidade de cada um, hahaha é espontâneo, hehehe é sacana, rs é sem sal.
No filme argentino, Martin trabalha construindo sites, Mariana é arquiteta: arquitetura online x arquitetura concreta. Após dois anos sem sair de casa, distraindo-se com todos os produtos construídos com pixels, Martin inicia sua jornada pela cidade, apenas a pé, fotografa a cidade, a foto é estar e não estar. Mariana decora vitrines, onde se sente em um lugar que não está nem dentro, nem fora, um espaço abstrato.
Mesmo quando deixamos o mundo online, um mundo em que observamos coisas que acreditamos fazer parte de um mundo subjetivo criado pelos nossos desejos, ainda buscamos formas de nos mantermos observadores, a aproximação com a vida é intimidadora quando podemos nos aproximar do mundo protegidos por telas, vidros, paredes, lentes...
A personagem argentina que não consegue encontrar Wally em apenas um dos seus cenários, a cidade, desenvolve uma fobia de multidões, pois a sensação de ser alguém perdido entre milhões causa-lhe angustia existencial, imobilizando-a, silenciando-a, como seus manequins na vitrine. Estaremos todos vivendo em vitrines? Em nossa página do Facebook, em nossos carros, nas calçadas, nossos trabalhos e nas reuniões entre amigos, imobilizados, sendo um Wally que nunca é encontrado, por isso sempre sozinhos, perdidos, esperando por nossos observadores?
Caminhamos pelas ruas procurando nosso Wally, esperando ser o Wally que alguém procura. Continuamos a observar o mundo e a viver nele para que sejamos vistos e pertençamos à vida de alguém, também, perdido entre os prédios que cobrem o mar de Buenos Aires, Recife, Camboriú ou somente a distancia de um clique que separa aquele bate-papo com o seu amor na era virtual.
Aline Vaz é professora e escritora.