Muitos são os lugares, com suas pessoas, que conhecemos ao longo de nossas vidas. Pela grande maioria faremos um contato breve, situacional e ao sabor de seu tempo. Seguiremos. As marcas dos encontros ficaram na memória. Algumas delas até nos farão querer um dia voltar. Já outras, nos darão impulso em direção a uma vida que não olha para trás. Nesse caso, mergulharemos, sem medos, no não saber de nosso desconhecido futuro. Desbravaremos, portanto, o inesperado desse incerto caminho.
Uma vida que não olha para trás carrega consigo a potência da surpresa. Essa, se manifesta no momento em que ela nos revela a outros lugares e a novas pessoas de singularidades admiráveis. Abalroados somos por esses encontros inconcebíveis no passado. O então desconhecido futuro ganha contornos de presente. Um presente bom. Atraente. Não sabíamos que ao encontrá-lo - em seu acaso - ele se tornaria tão imprescindível para nós... Ao menos naquele instante.
Imersos no novo lugar, interagimos com as pessoas que lá estão. Demonstramos coragem. Todos se desarmam para dividir um pouco de suas limitações e de sua própria intimidade. Reunidos, festejamos as afinidades que se enlaçam em inesgotáveis conversas. Quando nos faltam as palavras, restam-nos os climas, os olhares, os não-ditos. Já estaremos partilhando significados coletivos. Teremos orgulho por isso. Sobretudo, por estarmos naquele mundo construído ali e não em um outro qualquer. Gratos seremos a vida que não nos deixou olhar para trás.
Por quanto tempo permaneceremos no “novo presente” antes partir? Não se sabe. Ainda não encontrarão métricas para calcular o que por ser intenso é apenas vivido como tal. Temos sorte. Mas sabemos algo: até mesmo em uma vida que não se olha para trás, por vezes, nos surge a necessidade de voltar. Refiro-me àquelas situações em que somos convocados, pelas circunstâncias que se impõem, a retornar a um lugar cujas memórias para trás ficaram. Quisemos as deixar por lá.
Com razão, haverá quem se ressinta profundamente em ter de abandonar – sem ainda querer – a intensa vida que no presente encontrou. Posso estar errado. Todos podem. Mas arrisco a dizer: voltar não é um ato possível. A essa altura, vista sob a perspectiva pragmática, essa afirmação pode lhe soar algo completamente vazio, ingênuo e sem sentido. As aparências jogam ao seu favor. Fato. Mas insisto: voltar não é um ato possível.
Se resgatarmos as nossas memórias e compararmos a versão do que fomos com a que hoje somos, será razoável dizer que mudamos. Não me refiro aqui ao aspecto biológico marcado pelo o tempo em nosso corpocoração. Falo de nossa capacidade em sermos profundamente transformados pelo o encontro com o novo. De quantos pensamentos e descobertas - sobre nós e o mundo - fomos capazes ao descobrir que é a interação com o outro o que, na verdade, nos revela. A cada contato surge uma atualizada versão de nós mesmos. Fora dali já seremos outro. Os lugares, as pessoas, e o mundo a nossa volta, já terão mudado também.
A cada nova experiência, a nossa visão de mundo se altera. Com ela, redescobrimos um novo Eu que passa a interpretar, a si e a tudo, sob bases renovadas. Se é, então, chegada à hora de um necessário retorno ao passado, qual será a versão do Eu que, no agora, fará esse caminho? Certamente o Eu do retorno não será mais àquele que um dia de lá partiu. A vida se encarregou de transformá-lo... Pra valer.
Prioridades revistas. Vontades a mostra. Muitas dúvidas também. O Eu do retorno chega ao velho lugar com nova bagagem. As suas lentes mudarão. Ganharão ajustes. Esses, nem sempre suficientes para evitar que, no ato da chegada, a memória recupere o que por lá preferiu deixar. Mas não levará muito tempo – aliás, quase nada – para se perceber que a recordação momentânea, já não terá sido feita pelo o mesmo Eu que a vivenciou no passado. Nesse hora, enxergaremos o velho lugar por outra perspectiva. Na verdade, já estaremos o redescobrindo enquanto um novo lugar.
Por algum tempo, a vida acontecerá em nós. E ela acontece por cultivarmos o prazer de redescobrir os lugares, as pessoas, e a nós mesmos. Esse viver, então, nos transforma. Redescobrir, nada mais é, do que o combustível que nos mantêm em diálogo com o mundo que nos cerca. É também a maneira encontrada por ele para não se deixar esquecer. Sobretudo, é o modo do mundo se fazer intrigar, nos mostrando que ao redescobri-lo, ganhamos o impulso necessário para adiante seguir... Em uma vida que não olha para trás.
André Silva é doutorando em Administração de Empresas pela FGV/EAESP.