UMA MENSAGEM PRA VOCÊ EM 1998



Cara, é importante se colocar no mundo como um ser inofensivo e frágil, assim você se preservará de atirar em alguém e de levar um tiro, mas saiba que essa inocência e essa fragilidade devem também ser inocentes e frágeis como você; é difícil saber se é legítimo matar ou morrer, por causa dessa problemática, melhor não pensar muito sobre isso, você saberá quando usar seu instinto, ou melhor, ele saberá quando te usar, isso serve também para o primeiro beijo, para a primeira transa, para o que você quer ser quando crescer, apesar dos pesares, todas as escolhas, acredite, se dão mais pelas circunstâncias do que pelo planejamento ou pelo que você pretende ou sonha ou viu na televisão. Um filósofo alemão de bigode muuuuuito grande, e que tinha um nome que mais parece o som de um espirro, não queria que fosse assim, ele queria, entre outras coisas, que fôssemos "adestrados" para sabermos fazer nossas escolhas genuinamente, sem nenhuma interferência exterior, mas infelizmente não chegamos a esse estágio, a evolução e o modo com que o homem vem sendo educado desde que aprendeu a pensar nos levou ao patamar em que estamos, então, se você fizer uma escolha e se arrepender, tenha certeza que não é culpa sua, e que você pode, enquanto viver, tentar reparar seu erro ou simplesmente tocar a bola pra frente, driblar a filosofia e marcar um golaço.

Seus pés vão doer quando você fizer longas viagens de ônibus sem ter um banco pra se sentar, vai acontecer também no metrô, mas você será mais forte e não será o único habitante do universo viciado em analgésicos caso não suporte também o barulho cotidiano que pouco a pouco nos ensurdece. Mas vai valer a pena. O corpo que reclama da dor é o mesmo que sente prazer e que abraça, é o mesmo que te leva aos lugares onde sua mente quer chegar, com ele você vai se equilibrar no meio-fio, bêbado, caminhando com os amigos numa rua deserta no meio da madrugada.

A lua cheia vai se provar uma companheira muito agradável, que te visita de vez em quando, mas que às vezes se esconde enquanto você tenta encontrar a imagem de São Jorge cravando no dragão da maldade sua lança espiritual. Você nunca terá certeza se viu ou não esse desenho na lua cheia, na dúvida, procure chegar à abstração, esqueça o pragmatismo, veja alguma arte surrealista, cubra por um momento, com uma flanela, "O Capital", coloque no bolso o "Post-scriptum sobre as sociedades de controle", mas, com cuidado, não se atreva a desafiá-lo, ele é sua estrutura, bem como suas anteninhas críticas, sim, semelhantes as de uma formiguinha, que são essenciais durante os quarenta-sessenta dias de vida desse bichinho; faça isso e divirta-se um pouco nos cinemas, nos bares e até no Natal, essa data tão "isso e aquilo", em que você vai cumprimentar um policial e desejar-lhe "boas festas", mesmo sabendo que ele está ali, com seus companheiros, esperando a propina descer o morro.

Você deve saber que o humor, assim como no poema do Drummond, não pode ser esquecido jamais, ainda que palavras duras, em voz mansa, te golpeiem, e nunca, nunca cicatrizem.

Você descobrirá que e o bem e o mal andam juntos no coração dos homens mais admiráveis quando você souber que o Rubem Fonseca, que você vai ler daí a um tempo, com muito empenho, usou seu talento em favor da atroz ditadura civil-militar que cobriu de trevas o seu país quando você ainda não tinha nascido; sim, a mesma ditadura que feriu e matou tanta gente por motivos que você ainda não entende, talvez nunca entenderá. Acredite, quando pensar sobre isso, você sentirá que é mais humano do que jamais imaginaria, você será humano, demasiado humano, e lembrará outra vez do filósofo alemão de bigode engraçado e que tinha um nome que mais parece o som de um espirro.

Você tem oito anos, e seu avô está morto, ele foi o primeiro que você viu partir sem saber que nunca mais voltaria, quando você souber que as pessoas vão para um lugar a certa altura da vida e nunca mais voltam, você não vai mais querer dar adeus.

Eventualmente, você pode se sentir mal por não compreender certas coisas (como a morte, por exemplo) e por não saber de outras. Não liga... Não é preciso saber de tudo o tempo todo, e quando você crescer, acredite que o que você não sabe é o que menos importa até que você o conheça, isso porque existe com certeza uma coisa desconhecida pra cada estrela no céu, e não dá pra saber tudo ao mesmo tempo em que se cava trincheiras pra se proteger dos bombardeios do amor e dos juros elevados. Acredite que o que você não sabe quando se perguntar como andam os parentes distantes, ou os amigos próximos, não importa tanto quando você se prepara para conhecer um novo tipo de escrita ou pretende tocar um instrumento musical, falar outra língua ou plantar uma semente de tomate num vaso de plástico.

Quando você crescer, é importante que você pense que enquanto lê no ônibus, a caminho do trabalho, suas mãos tenham a sensação de que sabem muito pouco a respeito das páginas que você lê (se for um romance essa sensação talvez seja menor do que quando você lê um jornal ou uma revista sobre carros ou ciências naturais). É importante que você pense que uma imprevista ignorância te faça saltar do ônibus como uma pessoa diferente, um ser humano que tem agora um dia inteiro pela frente e que precisa saber menos do que um coelho pra suportar existir.

Acredite, não importa saber que existir é só uma questão de tempo, importa saber que existir vai ser melhor se você souber que existir pode ser melhor do que uma caixa de chocolates, e que você existe.
Quando você crescer, cara, você não será muito diferente do que você é hoje, o mundo é que vai mudar em você, e você pode, e deve, aprender a lidar com esse estranho dentro do seu corpo.

Boa sorte, e um abraço.

Julho de 2014


Danilo Diógenes é estudante de Literatura.