Ainda sob os efeitos provocadores do filme “Teorema Zero” de Terry Gilliam, a que assisti semana passada, resolvi enxergar a beleza ruidosa de acontecimentos convencionais, ou nem tanto. Nesta última semana venho acompanhando os noticiários e deduzindo que, se por um acaso, algum cientista do passado aportasse no Brasil do ano de 2014 (no início do mês de agosto), poderia facilmente achar que a humanidade caminha para um maior entrelaçamento entre fatos jornalísticos e um realismo fantástico por parte da imprensa.
Por exemplo, em um processo de acusação do estado do Rio de Janeiro contra um grupo de supostos black blocs, o Mikhail Bakunin (1814-1876) – teórico russo do anarquismo – teria sido envolvido na lista de futuras prisões preventivas de uma trama denominada pelos policias cariocas de “Junho negro”, em referência à final da Copa do Mundo. Se vivo fosse, o fabular anarquista faria neste ano o seu bicentenário e estaria por de trás do imaginário de quase todo “temerário” ativista macro-político do século XXI.
Em crônica recente, publicada aqui no ORNITORRINCO, meu audacioso amigo Mariano Marovatto (figura perigosíssima) escreveu sobre o desafortunado fato de Bakunin (ou “Mika Bakú” para os próximos) nunca ter conhecido o Brasil nos tempos em que era vivo e nem tampouco, aparentemente, nestes séculos em que tem andado morto. Marovatto também bem observou que a etimologia da palavra “anarquia” não pressupõe, necessariamente, uma desordem generalizada, mas sim uma ausência de coerção. Os índios, por exemplo, vivem uma anarquia pacífica. Enfim, o certo mesmo é que, se fossemos nos pautar pelo que os policiais do Rio andam escrevendo, acabaríamos por escrever um fabuloso anarco romance cáustico chamado de “Fui à Bangu procurar por Bakunin”.
![]() |
Bakunin nas manifestações do Rio? |
Voltemos aos fatos mais imprevistos que tenho lido na mídia nos últimos dias: na última semana o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro declarou (durante encontro dos presidentes do Mercosul em Caracas) que, pela terceira vez, o falecido ex-presidente venezuelano Hugo Chávez lhe apareceu sob a forma de um pássaro e que os dois voltaram a se comunicar por assobios. Foi em meio a uma atmosfera deveras emocional que Maduro confessou ter sentido com sua alma, Chávez se aproximar sob a forma de uma mística ave alada.
Para comemorar tal encontro majestoso entre um pássaro e um ser humano, o governo venezuelano resolveu lançar eventos de comemoração com direito ao lançamento de um novo aplicativo de celular que irá permitir escrever com a mesma caligrafia do eterno ex-líder Hugo Chávez. A fonte tipográfica será mais um elemento da campanha para preservar a memória do Líder, que incluirá um logotipo baseado em seus olhos, conhecido como “o olhar do Líder”, que poderá ser visto estampando edifícios governamentais, complexos habitacionais e camisas de militantes. O mais importante é que o presidente Maduro já garantiu que chamará de “frios e insensíveis capitalistas” à todos aqueles que duvidarem de suas palavras.
![]() |
Hugo Chavéz reencarna como um pássaro cantador. |
Como não poderia deixar de ser, termino aqui este texto com a edificante e definitiva declaração do regente venezuelano Nicolás:
“Senti-o da minha alma aqui como uma benção, nos dizendo que hoje começa a batalha rumo à vitória comunicada por assovios. Fiquei vendo o pássaro e cantei: ‘Se você canta eu canto’. Vou confessar que por aqui se aproximou outra vez um passarinho a anunciar que o céu ficará iluminado por fogos de artifícios lançados pelo Quartel da Montanha, lugar cheio de simbolismo por onde o nosso Líder pronunciou o primeiro discurso”.