O QUE É SER UM GRANDE ESCRITOR HOJE?


O esforço é grande e o homem é pequeno

O que é ser um grande escritor hoje, no século XXI, em 2015, no País das Maravilhas? A resposta, é claro, pode ser dada de acordo com o ponto de vista da pergunta, então vamos restringir a questão ao campo literário, quer dizer, ao que os críticos, leitores, escritores e outras sociedades secretas elegem como Literatura hoje, no século XXI. Sob esse ponto de vista, Franz Kafka é um grande escritor, hoje mais do que nunca. Fernando Pessoa, hoje mais do que nunca, é um grande escritor. Carlos Drummond de Andrade... talvez ontem mais do que hoje, mas é um grande escritor. Contudo, nenhum deles escreveu neste século, e enquanto vivos não foram lá grandes celebridades literárias, com a exceção do poeta de A Rosa do Povo e outros livros, que, enquanto esteve vivo, recebeu a atenção e a dedicação dos escritores e críticos literários mais importantes do país (alguma relação entre uma coisa e outra?).

Pode-se dizer que os maiores escritores do século XXI são os escritores pouco reconhecidos ou estudados no século XX. Ok, "eles estavam à frente de seu tempo", "eles não eram compreendidos pelos seus contemporâneos", "eles não tiveram a oportunidade" e etc. Sim, tudo isso é verdade, por isso é preciso estudá-los, é preciso lê-los, eles merecem, a Literatura merece que se analise cuidadosamente tudo o que eles fizeram, o que incomoda é o risco permanente que corremos de toparmos com a mesma pedra no meio do caminho. Certamente os críticos e leitores que não compreenderam a obra de Pessoa estavam chafurdados em obras do século XIX.

É claro que há grandes escritores brasileiros escrevendo hoje, no Brasil, e fora dele, e não me refiro a Paulo Coelho, lembram da restrição ao campo literário? Mas, no Brasil, escritores ainda diminuem ou aumentam de tamanho de acordo com os prêmios zuados que recebem; no Brasil, as resenhas nos jornais e blogs ainda são pílulas de crescimento, um milímetro para cada resenha, mas há as que valem dois milímetros, ou até três, a depender da publicação e do jornalista que as escreveu. Aparições em programas de TV e Rádio têm gosto de levedura, e agem da mesma forma: de um dia para o outro, o tamanho da massa cresce, surgem novos leitores, uns cochichos aqui e ali e a quase certeza de que sua obra tem alguma relevância nesse Universo vazio e misterioso.


Ser ou não ser?

Na última edição da Jornada de Iniciação Científica e Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro, quase cem por cento dos orientandos em pesquisas relacionadas à Literatura (os orientandos geralmente seguem a mesma linha de pesquisa de seus professores doutores), apresentaram, ao longo de três dias, trabalhos em sua esmagadora e extradimensional maioria sobre Fernando Pessoa, Kafka, Drummond, Guimarães Rosa, Virginia Woolf e outros grandes escritores do século XX, os outros meio por cento dedicaram-se ao século XIX, XVIII e assim por diante até chegarmos a Platão e Homero.

Os alunos pesquisadores, todos jovens nascidos à beira do século XXI, dão início a uma pesquisa de iniciação científica e cultural com o intuito de segui-la ao longo de uma possível carreira acadêmica, aí é quando percebemos que cavamos, cavamos e encontramos um esqueleto. Se desde cedo novos pesquisadores e críticos são direcionados para o estudo de autores já canonizados, chegará (já chegou?) o momento em que escrever sobre algum desses autores será como escrever um livro sobre jogadas de xadrez, ou seja, será escrever tendo a certeza de que o que se escreve já foi dito tantas vezes quanto o dilema existencialista do jovem e atormentado Hamlet.


Todo espaço existe para um passeio

Fernando Pessoa, Roberto Arlt, Ruben Darío, Baudelaire, Sousândrade, Lima Barreto, entre outros tantos, mesmo sem a devida atenção e reconhecimento merecidos em vida, foram grandes escritores ontem e continuam sendo hoje. Essa é uma prova de que a boa literatura, em termos, não precisa da crítica para existir. Mas ela não pode ser considerada boa literatura em um determinado lugar e época se não for apontada como tal, se não for analisada e posta em questão pelos críticos, leitores, escritores e outras sociedades secretas de um determinado lugar e tempo, como disse um teórico de quem o nome agora eu não lembro ou não quero lembrar.

No Brasil do século XXI, é preciso muita fita métrica para medir e muita mídia para apresentar a multidão de autores que existe nas estantes das livrarias. Há obras inteiras abertas como a estrada da canção do Whitman. Obras que não apareceram na TV, que não ganharam o prêmio zuado A ou o prêmio todo mundo já sabia B, obras que não entraram na lista dos mais vendidos, as que entraram, aliás, foram resenhadas milhares de vezes por críticos e comentaristas especializados, enquanto o próximo Fernando Pessoa podia estar ali na Travessa da Zona Sul mais próxima ou no sebo do subúrbio mais longínquo, enquanto o próximo Lima Barreto fazia uma postagem no seu blog, enquanto o próximo Baudelaire escrevia textos críticos sobre sua própria obra e os enviava aos amigos, textos que serviam para tapar a lacuna a ser preenchida no futuro pelo próximo Walter Benjamin.


Numa mão sempre a espada e noutra a pena

No fim, parece que ser um grande escritor hoje, no Brasil do século XXI, é simplesmente seguir lutando pela conclusão de sua obra, como Luís de Camões seguiu, no século XVI, "por alto mar, com vento tão contrário", porque ele, a pedra fundamental da literatura em língua portuguesa (que somos obrigados a ler na escola sem saber o motivo), ele também teve seus momentos de "ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire".




DANILO DIÓGENES
Estudante de Literatura e colunista do ORNITORRINCO