“I don’t make love, I fuck hard” é, sem sombra de dúvida, a
frase mais citada por todas as pessoas que conheço que assistiram o filme e/ou
leram os livros da trilogia Cinquenta tons de cinza. A quase totalidade desses
comentários veio seguida de uma risada – real ou em forma de kkk e suas
variantes. O fenômeno erótico inglês foi visto, por muita gente, como um
entretenimento de humor que trazia a galope algumas ideias “interessantes”
sobre sexo, como também ouvi muito.
Li um terço do primeiro livro entre constrangida e
revoltada: os diálogos eram as coisas mais estapafúrdias e mal escritas que li
em um bom tempo. E tive dificuldade em odiar tanto os personagens principais,
lutando para entender quem me causava mais irritação. Aquela mocinha inocente e totalmente idiota que tinha orgasmos múltiplos na primeira vez que fazia sexo anal sadomasoquista
também me abalou. Sou capaz de gostar de música ruim, filme ruim, gente duvidosa, mas literatura ruim me causa transtornos.
“É ficção”, me disseram alguns, como se os fins
justificassem os meios. Eu sei, pensei, e é maravilhoso. A moça faz e acontece
e não há entrave ginecológico algum em seu caminho. Ou a medicina das trilogias
eróticas é muito avançada ou a anatomia de todo mundo ali é muito prafrentex.
Ou, claro, eu estou focando no lugar errado. Demorei mais de um ano para dar
uma segunda chance ao gênero, que poderia ser descrito facilmente como
pornográfico. Nada contra, nenhum preconceito, só que me dá mesmo uma vontade
louca de rir.
A premissa da trilogia erótica é bem delineada: mocinha
virgem encontra homem milionário de olhar penetrante (desculpa, mas é isso
mesmo) e eles já não podem pensar em outra coisa. É um tesão tão intenso que os
membros dos rapazes quase explodem dentro de suas calças jeans, fica todo mundo
perturbado porque a mocinha resiste e, caramba, que gastura! Uma vez que ela
sucumbe, é batata, e melhor nem tentar dar uma ideia do que acontece entre as
quatro paredes das páginas porque todo mundo já deve estar suado de saber. É
como se cada livro novo fosse uma fanfiction do anterior, e não consigo
visualizar o ponto final dessa progressão. Talvez todas as histórias já tenham
sido contadas, mas é melhor reinventá-las do que simplesmente parar,
especialmente quando se tornam lucrativas.
Há variantes, é claro, como na série em que contos clássicos são recriados num cenário de depravação. A Bela Adormecida é acordada não
por um beijo, mas por um estupro (é o que é) e vira escrava sexual do príncipe.
Não sei onde as 3 fadinhas entram na história (tá ficando difícil escrever esse
texto...), sei que tradutores tiveram dificuldade de continuar o trabalho nos livros
seguintes por se sentirem incapazes de encontrar palavras, gírias e expressões
condizentes com tudo o que acontecia naquele castelo. Sei, também, que numa
tarde que se arrastava melancólica um grupo de editores decidiu fazer uma
rodada em que cada um abria o primeiro volume numa página aleatória e lia em
voz alta uma frase qualquer para os colegas. Riram potes, era incontornável.
Foi de coração aberto que resolvi tentar uma outra trilogia,
que assim como Cinquenta tons arrebatou uma série de fãs ensandecidas. A série retrata o universo de uma protagonista virgem e estudante que sofre com todas as mazelas e percalços de uma cidade desigual. O milionário fica desconcertado pela beleza da moça. Assim como o Sr. Grey, ele não
transa, mas fuck. Hard. Tem um pinto enorme, não se apega e tem uma disposição
que dá exaustão e assadura só de imaginar. No mundo real, por muito menos, você
acordaria com uma cistite daquelas que te fariam acabar com o estoque de suco
de cranberry da padaria até finalmente recorrer a uma alopatia do demo que
deixaria seu xixi azul por 5 dias. Mas, eu sei, é ficção, e é um sonho:
ninguém sofre de coceira, cândida ou hérnia de disco.
É claro que não deu certo comigo. Estou avançando velozmente
na leitura que ainda que me faça rir pelas razões certas, não consegue me fazer superar o paraíso ginecológico-ortopédico. A minha cena preferida é a de um jantar contado pela voz do milionário dominador. Ao perceber que não está
lidando com uma menina fácil como as tantas a que está acostumado, ele muda
de estratégia e vai atrás da eleita, que está de saída para um
jantar com amigos. Ele não se faz de rogado e percebe o desejo ardente nos
olhos assustados que o fitam. Se infiltra no jantar e, enquanto mastiga um
pedaço de pizza que descreve com mais contundência do que qualquer
ménage que tenha promovido, reza para que aquilo desça por sua garganta o mais
rápido possível. É demolidor e não tem sexo selvagem que mude minha vontade, quero ficar pra sempre nessa página. Os contrastes entre os heróis, com todos os preconceitos e impressões que pessoas de mundos tão diferentes guardam para, são narrados com precisão e humor e instantaneamente começo a torcer pelo momento em que ela conhecerá o ambiente dele. E torço pelo casal também. Bate até uma saudade do rodízio de pizza que por anos frequentei no Itanhangá, num tempo em
que as pessoas se estapeavam por uma fatia do sabor tomate seco.
Talvez eu só tenha olhos para as piadas, mas ainda faltam,
pelo menos, dois livros e meio para entrar nos trilhos. Talvez, também, seja
prudente eu não voltar aqui para revelar o que pode acontecer caso eu tenha
alguma salvação.