A pergunta que me passa pela cabeça é a seguinte: "Se já acabei, posso ir embora?". E embora esta pequena pergunta passeie de um lado para o outro na minha caixa craniana, não encontro a força para fazê-la crescer no espaço branco deste escritório. A verdade é que sei a resposta, e a resposta é não. Tenho um horário. Das 9h às 18h é para ficar sentada, eu e as outras 30 pessoas com quem compartilho este espaço aberto, fingindo liberdade.
A liberdade aqui é para dentro da cabeça e do computador pra fora. Liberdade física não existe. Almoços na cantina, que é no andar de cima, a senhora do lanche que passa às 16h para satisfazer a fome de ficar sentado, o banheiro à três passos de distancia, e as janelas que deixam apenas passar a luz mas que não deixam ver o que está do lado de fora. Ainda consigo ver algumas folhas balançando ao sabor do vento.
Se tenho mais uma hora para gastar e já fiz tudo o que tinha para fazer, ou as circunstâncias me fazem ter que esperar por outro alguém mais afortunado que teve de viajar à trabalho, outra pergunta nasce no canto esquerdo superior direito "Como é que eles aguentam?". Todos de testa franzida, muito compenetrados no computador. Entendo que uns tenham um trabalho melhor do que os outros, mas no fim do dia, é muito fábrica. Tem um horário, tem metas, tem procedimentos sempre iguais, muita repetição, e é assim todos os dias até, quem sabe, três anos depois conseguir subir um degrau, ou meio vai lá. Surpresas não, que isso é desgraça! Originalidade só dentro do formato, e sair do escritório em plena luz do dia está fora de questão. Perde-se tempo.
Há pouco tempo me disseram que o meu animal espiritual era um veado bebê, e agora tudo faz sentido porque me sinto muito como o Bambi preso na sala de estar. Não entendo a satisfação de um trabalho assim. Serve só mesmo para falar que está na empresa tal, que recebe tanto, que pode trabalhar sem se responsabilizar pelo o que a empresa faz porque não há vínculo, mas há dinheiro. Sempre falei que queria um trabalho que eu adorasse e que me excitasse continuamente. Ok este está longe de ser isso - mas não entendo os outros, é isso mesmo? Era este o seu sonho? Ter essa vidinha medíocre, de fazer algo muito pouco criativo, até pouco produtivo porque aqui não se cria, aqui se vende. Então venda-se! O seu tempo, a sua doce juventude, o seu corpinho, a sua energia tudo para vender mais um chocolate. Ah delícia.
Ontem cheguei em casa morta, o que não me ajuda porque tenho um trabalho para a faculdade atrasado, mas, enfim mortinha de que? De estar sentada? Hummm... tem algo de muito errado na maneira como tudo isso funciona, quer dizer, a escola te ensina a essa cega obediência do senta, levanta, volta a sentar, se concentra, faz, teve boa nota (viva!), teve má nota (reprova).
E não me levem a mal, adoro aprender, sou muito a favor da troca de conhecimento, informação, adoro ouvir e adoro estudar. Mas é incrivel como tudo está muito bem montado, ou não? Ou só sou eu? Bambi alucinando? É que para fazer o que você quer, você tem que mentir: Ah hoje tenho médico, estou doente, tenho que ir tirar o meu R.G. Só assim você exerce a sua liberdade, sente o sol na pele. Por isso não posso estar alucinando, não devia ser uma obrigação (e é uma obrigação silenciosa controlada pelo bônus). Devia ser vontade mesmo quando não é, não devia ser "trabalho", devia ser trabalho-smileyface-muitoamor.
Ah quer saber? Cansei.. aqui vai meu grito de Ipiranga: Vou no médico!