DOIS ANOS, SETE MESES E ONZE DIAS


Eu te diria que seu sotaque no telefone quase me tirou do hotel naquela madrugada de domingo.

Eu te diria que por trás do meu silêncio elegante sobre o seu silêncio súbito houve susto e decepção.

Eu te afirmaria que suar juntos no batidão do funk valeu por uma bela noite de sexo.

Eu te confessaria que não faço ideia do potencial auto destrutivo de dois escorpianos mas que manhãs como aquela são raras.

Eu te diria que hoje entendo como é possível ter saudades de alguém depois de uma única noite, e que naquela hora meu sorriso mudo era uma tentativa de delicadeza.

Eu te diria que falta de auto estima é talvez a única fraqueza que eu não topo no momento.

Eu te diria que sexo verbal só faz meu estilo acompanhado de muita carne e osso.

Eu te diria que nunca pensei que um pé na bunda pudesse fazer um homem subir no meu conceito e que é seu o mérito dessa descoberta.

Eu te pediria desculpas por ter ido sem estar pronta e ter virado estátua de sal na sua cama.

Eu te diria que ninguém é responsável por aquele que cativa e que aqueles orgasmos foram uma chuva de meteoros sobre o meu planeta.

Eu te diria que fazer companhia é coisa de cães, gatos e velhos amigos, nunca de amantes novos.

Eu te diria que já não me intriga cê não ter aceito aquele banho aqui em casa.

Eu te diria que cê é um cara incrível e que a paixão é mesmo imponderável.

Eu te pediria perdão por ter te atropelado com o meu passado e pela ingenuidade de acreditar no homem que cê me disse que era.

Eu te diria que se cê gostou da minha versão oleosa eu de banho tomado também bato um bolão.

Eu te agradeceria pela dor lancinante da nossa separação que me fez entender sem teoria que tudo pode acontecer no mundo, até eu ser muito mais feliz.


 


Maria Rezende é poeta, montadora de cinema e colunista do ORNITORRINCO.
Facebook