LEITURAS DO ORNITORRINCO

Na natureza, ornitorrincos são ao mesmo tempo mamíferos que botam ovos, aves que nadam embaixo da água, répteis com bicos de pato e veneno como de uma serpente. O nosso Ornitorrinco literário não seria diferente. Se você fica curioso para saber o que anda lendo o staff deste site, aqui alguns colunistas recomendam suas preferências literárias atuais. Veja como funcionam as diferentes cabeças – e suas peculiaridades – que formam esse animal virtual que vos fala.


Domingos Guimaraens
Algumas leituras, que não foram as últimas, mas que ficaram impressas na minha mente:

"Agora é que são elas", de Paulo Leminski. Depois de publicar o encripitado "Catatau" o nosso samurai dos pinheirais publicou esse outro romance. A crítica não lhe rendeu muitos elogios na época, o texto ficou meio perdido por aí, mas é um livro sensacional. A leitura do "Agora é que são elas" é bem mais convidativa do que a do "Catatau", embora o livro seja cheio das artimanhas leminskianas como elipses temporais e um multiprocessador de referências que vai da psicanálise à filosofia com paradas rápidas na astronomia. Tudo isso pra contar uma pulsante história de amor. Vale cada linha!


Pra quem gosta de biografias vale ler o "Vida", também do Leminski. Uma reunião das biografias de Cruz e Sousa, Trotsky, Bashô e Jesus Cristo. Acho que a reunião desses quatro nomes num só livro dispensa comentários. Mas, se você quer ler uma biografia mais underground eu te indico "Alphonsus de Guimaraens em seu ambiente". Diferente das demais biografias que existem no mundo, nela você vai sendo guiado por Alphonsus filho, o caçula do simbolista de Mariana. O filho, que não conheceu o pai, refaz a trajetória paterna contando ao biografado a sua própria vida, num diálogo que só se tornou possível no mundo mágico da literatura. Lendo as biografias de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens você entra intimamente em contato com a dupla de ataque mais sinistra do simbolismo brasileiro. Boa caminhada por cima das nuvens, nefelibata!


Vitor Paiva
Minha dica é a série "Encontros", da Editora Azougue. São vários livros reunindo entrevistas, cada um com uma figura mais maravilhosa do que a outra. Jorge Luis Borges, Gilberto Gil, Jorge Mautner, Tom Zé, Nise da Silveira, Carlos Drummond de Andrade, ao longo de toda a carreira dos retratados, nos mais diversos contextos.
Tenho me lambuzado especialmente em dois exemplares dessa coleção: o da "Geração Beat" – trazendo entrevistas com Allen Ginsberg, Jack Kerouack, Lawrence Ferlinghetti, entre muitos outros – e especialmente o "Maio de 68", que serve como espelho, reflexão, referência e visão crítica para tudo que está acontecendo no Brasil e no Rio de Janeiro nesse momento – as manifestações, o questionamento sobre a política representativa, democracia, esquerda e direita, etc. Ler, nesse momento, a entrevista com o Daniel Cohn-Bendit em pleno Maio de 68 – e suas reflexões sobre para onde o movimento iria e para onde ele deveria ou poderia ir – é assombroso e incrível.


Gabriel Pardal

Tentei evitar, mas não consegui. Desde que comecei a leitura do "Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo", coletânea de ensaios do David Foster Wallace, não consigo pensar em outra coisa. Antes desse eu já tinha lido o de contos "Breves entrevistas com homens hediondos", que partiu minha cabeça, fraturou minha cervical e me deixou no chão. Agora esse com os ensaios finalmente me deu um mortal. Tratando com afinco assuntos aleatórios da cena contemporânea como um maníaco por detalhes objetivos e subjetivos e obcecado por particularidades do comportamento humano, ao fim de cada leitura dos textos desse livro eu pensava que não precisava ler mais nada no mundo. Ainda estou me recuperando.


Maria Rezende
Eu ando toda trabalhada nos portugueses, ainda no barato bom de ter ido lançar meus livros em Lisboa: tô lendo "Contabilidade", livro de poemas do valter hugo mãe. Eu que nem sabia que ele escrevia poemas tô abismada com a potência e o espanto que eles trazem, poemas bem curtos e líricos, outros numa quase prosa poética cheia de lances, uma ótima (e atrasada) descoberta.
Eu nem sempre leio poesia mas não passo um dia sem um romance do lado, o do momento é "A velocidade dos objetos metálicos", romance de estreia do Tiago R. Santos que acabou de ser lançado por lá. O Tiago tem uma carreira já sólida como roteirista de cinema e tv, então como era de se esperar, o livro é muito cinematográfico, numa onda meio Babel, em que muitos personagens têm suas histórias contadas em diferentes tempos, e se cruzam ao longo dos capítulos. Me surpreendi com a linguagem, várias frases já sublinhadas, coisa que não é muito comum em roteiros, o que mostra que o moço sabe passear bem nos dois mundos.


Franco Fanti

No momento estou lendo um livro em espanhol chamado "Tantra: el arte del amor consciente".

Tantra originalmente se refere a uma série de livros esotéricos hindus que descrevem alguns rituais, disciplinas e meditações sexuais e vai bem além da sacanagem e posições sexuais que todo mundo logo associa, é bem mais profundo. Este livro escrito pelo casal Charles e Caroline Muir fala de um sistema baseado nos rituais tântricos tradicionais, mas aplicados ao dia dia de um casal, entendendo as brigas, passos simples para melhorar e cultivar seu relacionamento, meditações em casal e logicamente também explica a parte de se fazer um sexo mais sexualmente bacana. Acima de tudo me fez relembrar como é importante se dedicar ao relacionamento como nos dedicamos a qualquer outra área da nossa vida, ou seja, amar de forma mais consciente. Bem interessante a leitura.

Outra leitura constante minha é David Foster Wallace. Estou sempre lendo algum artigo dele e é por isso que escrevo textos tão brilhantes, magníficos e esplêndidos. Zoeirinhas a parte, me identifico com a maneira dele refletir e filosofar sobre as coisas mais inimagináveis, mudando nossa perspectiva sobre um cruzeiro de luxo por exemplo, ou filosofando sobre porque deveríamos considerar o sofrimento do que comemos. Recomendo ler no original (se souber bem inglês) porque muito se perde nas traduções que li.