Andando pela cidade grande, eu, a pequena ovelha, pareço uma espectadora dos possíveis. Caminho entre ruas de grandes riquezas que contrastam com mendigos nas calçadas.
A gente fica com medo, a gente fica sensível, a gente não sabe direito com agir. Vitrines. Pessoas vitrines. Carros vitrines. Tudo precisa parecer alguma coisa. Eu caminho como se fosse ausente deste retrato, como se não pertencesse à cena. Como conseguir então, um pouco de malemolência pra me sentir mais pertencente?
Fico assustada, mas a cidade convoca o corpo a estar ali presente. A ovelha tem de aprender a pastar, literalmente. Mastigar a relva da cidade de concreto. Acompanhar os muitos pastores que aparecem nos fluxos das ruas e avenidas. Mudo o olhar. Do susto para admiração. Da admiração ao costume. Ovelha aprende a ficar atenta sem se desesperar. Tudo precisa parecer alguma coisa. E muitas coisas são. Não dá muito tempo para o julgamento. Aquele julgamento estético filosófico blá blá blá moderninho não cabe. É chato, enfadonho e superficial à essa vida que punge na cidade. A convocação é outra.
Caminhando, vou fazendo corpo com a cidade, com sorrisos, buzinas, poças d'água, calçadas irregulares, motos, ciclistas moderninhos, porteiros, padarias, sotaques, passos curtos e rápidos, camadas de roupa, chuva fina, regionalismos, tosse, metrô, multidão. Gente: ufa! Também sinto meu corpo que convoca a respirar.
Da ovelha que pastava, construo em mim um animal que surge no encontro com a urbe: que a compõe. A malemolência então aparece em micromovimentos, devagarinho, no canto do olho, no jeito de pegar o cigarro, nas mãos no bolso ao descer a rua Augusta, ao bom dia quando chego na padaria.
De repente, metrópole.
De repente, outro corpo.
Paula Maria é psicóloga.