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Casei com minha melhor amiga. E nestes mais de 30 anos de existência, eu posso afirmar que não há sorte maior na vida. Eu poderia ter nascido rico, ter ganhado na loteria ou ter chegado neste mundo como filho de Chico Buarque. E é inegável que há um componente de sorte nestas três hipóteses já superadas. Só que faltam zeros à direita nas contas bancárias de meus pais e faz tempo que não entro numa casa lotérica. Eu não me chamo Sílvia, Helena ou Luísa e estou certo de que Chico não escreveu para mim a canção “O Filho Que Eu Quero Ter”.
Casei com minha melhor amiga e mesmo quando éramos apenas bons amigos, eu já percebia de alguma maneira que o destino reservara para nós algo grandioso. Nos conhecemos no teatro XVIII no dia 27 de março de 2003, data em que se comemora o dia mundial do teatro. Nove anos e meio depois, nos casamos num teatro com uma plateia lotada de amigos e familiares, além de um palco repleto de palhaços, incluindo eu e ela. E ao invés de alianças, trocamos tortas na cara.
Casei com minha melhor amiga e desde então dividimos a casa, os sonhos, as contas e os desafios. Não temos (e nem queremos) uma mansão. Mas temos a certeza de que podemos contar um com o outro e conversar sobre tudo. Não há espaço para mentiras ou para segredos, a não ser aqueles que compartilhamos. Mas há espaço para minhas brincadeiras mais idiotas e para os dengos infinitos que ela pede e os que ela oferece.
Casei com minha melhor amiga. E com ela sei que não existem as máscaras perigosas ou os jogos arriscados que a vida costuma impor. As máscaras que vestimos, quando queremos, nos servem apenas para colorir a rotina ou fazer graça. E os jogos aqui em casa... só os de tabuleiro, na mesa da sala junto com nosso filho. Nosso filho é também o nosso professor. Não faz ideia que nos ensina tanto quanto aprende conosco. E o desafio compartilhado de transformá-lo num homem íntegro e digno nos torna ainda mais cúmplices.
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Foto: Agnes Cajaíba |
Casei com minha melhor amiga e temos plena consciência de que nem tudo são flores, mesmo que ela tenha o charme de carregar essa palavra em espanhol como sobrenome. E nessa nossa caminhada temos aprendido que mais importante que o encontro das afinidades é a celebração das diferenças. E temos colocado as nossas em convívio em todos os lugares da casa. E acho que cada vez mais elas se aceitam. Ponto para nós.
Casei com minha melhor amiga e temos vivido experiências tão incríveis que fico meio chocado quando ouço ou vejo as pessoas desistindo de investir numa possível relação amorosa sob justificativas como “não posso, pois ele é só meu amigo” e suas tantas variações. É muito louco pensar dessa maneira. Talvez a vida ande tão confusa e os valores tão misturados que faz muita gente pensar que se interessar por alguém bacana ou se apaixonar por um amigo é uma coisa errada.
Casei com minha melhor amiga numa época em que tudo é tão etéreo, passageiro, descartável. Em que o pensador polonês Zygmunt Bauman batizou de a “era da liquidez” e em que vejo as pessoas se agarrando a qualquer subterfúgio para não se comprometerem... com a vida, com os outros ou consigo mesmas. Casar, portanto, torna-se um ato revolucionário. Um atestado de coragem. A vontade de abraçar um mesmo projeto. Escrever uma história juntos.
Casei com minha melhor amiga e juntos descobrimos, na leitura de um texto de Rubem Alves, uma incrível citação de Nietzsche que diz: “Ao pensar sobre a possibilidade do casamento, cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: ‘você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice?’ Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar”.
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