A cor do vestido é amarelo e dourado, a menina que cagou na boate, o "estupro" do Alexandre Frota, alguém ainda lembra? Toda semana uma nova novidade da PQP que não sei quem inventou que é notícia. Essa velocidade das informações, essa necessidade de atualizar o site de notícia todo dia, de falar, de sempre opinar sobre alguma coisa antes de saber o que de fato aconteceu, esse falar muito e pouco fazer, isso tudo tem me feito refletir bastante. Recebemos constantemente das mais variadas fontes uma enxurrada de informações e pseudo-notícias inúteis, acompanhadas sempre de muita opinião inflamada e falácia, zero eficácia.
Muitas vezes tenho impressão que por essa velocidade nas informações é preciso inventar, inventar notícias, inventar polêmicas, inventar o que vamos falar do próximo assunto do momento que não acrescenta nem melhora em nada o mundo, nem a vida de ninguém. Vamos dar muita atenção e despender muito tempo em assuntos bem boçais como o da cor do vestido azul e preto e dourado e branco e marrom e roxo e cinza. Depois divulguemos, compartilhemos, compartilhemos só lendo o título, ou vejamos superficialmente e espalhemos opiniões bem fundamentadas no vazio, nos revoltando com informação de origem duvidosa, tomando partido sem entender a história a fundo, julgando apenas nos baseando nos títulos.
Um primeiro exemplo desta tendência de comportamento eu vivi. Outro dia criei uma piada no Facebook e Instagram do nosso programa, que era uma matéria fake sobre Hermes e Renato no NY Times e dizia que um grupo de feministas radicais iria cortar o pênis de 1000 homens e servir em hot dogs na Avenida Paulista caso nosso bloco de carnaval Unidos do Caralho a Quatro saísse para desfilar. Qualquer um que tivesse a mínima noção de inglês e lesse a matéria por alto saberia que era uma piada. Mas não foi o que aconteceu. Milhares de compartilhamentos, várias pessoas nos dando parabéns pela matéria no NY Times e muita gente revoltada deu opiniões inflamadas com certeza sem ter lido, julgando feministas imaginárias.
A última onda que vi zilhões de vezes é sobre a questão do suposto estupro cometido pelo Alexandre Frota. Vi inúmeros posts de conhecidos e desconhecidos tratando do assunto do suposto abuso sexual com o mesmo descompromisso que falavam da cor do vestido na semana anterior, com a mesma falácia inócua, ineficaz e abstrata de quem fica sempre só no virtual. Falar sobre o caso, compartilhar, dar likes é alguma coisa no caso de um assunto sensível como este? Sim , sem dúvidas é. Mas desculpa, a revolução não vai acontecer no Facebook. Começando pelo fato que o caso está sendo tratado de antemão por muitos sites "sérios" como "Frota confessa estupro em rede nacional". Segundo que vai bem num dos pontos do texto, a mania de julgar e compartilhar sem o mínimo de informação.
Quem procurou saber o mínimo sobre o assunto sabe que não foi estupro, o video é de um ano atrás e ressurgiu "do nada", é uma piada machista e de mal gosto que faz parte de um tipo de stand up comedy dele. Divulgar e espalhar o caso alardeando que foi "confissão de estupro em rede nacional" não é certo, é no mínimo imprudente. Se há algo a ser discutido realmente, de novo, são os limites do humor e a liberdade de expressão. Apesar de não achar nada legais as visões de Frota expostas ali, as vezes tenho a impressão que essa tal liberdade de expressão só vale pra quem pensa como nós e não vale para os que tem posições diferentes, por mais erradas que nos pareçam. Diga que ele foi machista, misógino ou qualquer outro comentário que dê ainda mais atenção pra mais um assunto que, como tantos outros, não merece tanta atenção e revolta se for tratado levianamente como mais um assunto da semana, se não tiver ação. Os assuntos que revoltam ou causam indignação não vamos resolver só fazendo um texto aqui no Ornitorrinco ou só com um post do Facebook.
O fato é que se você, homem ou mulher, acha de fato que ele estuprou, ou no mínimo acha que ele foi criminosamente machista ou nojentamente preconceituoso ou qualquer outra coisa que ofenda seus princípios, tome uma atitude séria a respeito, e essa atitude não pode ser tão simplista quanto só postar uma opinião revoltada e compartilhar com seus amigos do Facebook. Não só fale, ou poste comentários, opiniões, dê likes e trate como mais um assunto quente da semana. Aja. Mude. Transforme.
A gente vive em uma época muito estranha. É preciso falar, é preciso compartilhar, dar opinião apaixonadas sobre assuntos e artigos sem nem ler, mesmo os mais inúteis como a cor do vestido ou a matéria sobre a celulite da bunda da celebridade na praia. Vamos falar de alguma coisa, vamos falar sobre nada, vamos falar muito sobre qualquer coisa, mas vamos falar, falar e falar mais um pouco, se der audiência, likes, compartilhamentos, burburinho, show. É o que me causa incômodo com a falácia do jornalismo e hoje facebookismo denuncista que mostra o absurdo de uma situação, fica revoltado, denuncia o erro e fica indignado, e nada, absolutamente nada além do virtual ou do papel faz pra que haja uma mudança. É o nosso roteiro do Jornal Jornal sobre o Charlinho virando ainda mais realidade, nas mais diversas mídias.
É o velho cliché: ser a mudança que queremos ver no mundo. Será mesmo que as coisas vão mudar se a gente combater a violência contra a mulher usando agressividade e xingamentos contra quem a pratica também? Não seria mais eficaz entrar com alguma ação jurídica (ou alguma atitude legal que possa caber pelas declarações machistas) no mundo real contra Alexandre Frota? Se é pra falar, vamos falar mais sobre como fazer as coisas melhorarem de fato?
Roteirista, dramaturgo e colunista do ORNITORRINCO
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