Estou há mais de um mês numa saga para encontrar uma casa. Uma casa, digo, um apartamento. Casa foi onde cresci a vida inteira, na Tijuca. Gratidão, pai & mãe, pela piscina, pelo sótão, pela tabela de basquete. Crescer com espaço é diferente.
Moro na Zona Sul há 2 anos. É diferente, óbvio. A feira é mais cara, mesmo sendo os mesmos vegetais. As pessoas pedalam de sunga e minha altura não parece ferir ninguém (ufa!). Moro num apartamento no Humaitá, virado para o caos, o preço era incrível (no sentido mais verdadeiro de tal palavra tão usada aleatoriamente), mas era virado para o caos. Aceitei o desafio e há 1 ano não durmo direito, mas economizo. Há quem não se importe com o barulho (minha roomate por exemplo, nem se incomoda), mas eu sou audiosensível, e ai de você querer assobiar perto de mim em algum dia errado. A dona do apartamento quer vender. Como eu já sabia, iniciei minha saga.
Primeiro foram os sites: tantos os que têm anúncios pagos, quantos os gratuitos. Valia tudo. Recebi o tal golpe de gringos que pedem depósito para você receber a chave para ver o apartamento (que no anúncio é lindíssimo e muito mais barato do que a média). Para todos os gringos que me responderam com o golpe, eu mandava: I HOPE YOU BURN IN HELL.
Nos anúncios, muitas fotos enigmáticas: box do banho sem o chuveiro (devia ser um elétrico podre), foto da parede branca sem profundidade e noção espacial para saber como é o quarto etc. Embuída de coragem e desespero, fui ver alguns apartamentos na faixa humana que me permitiam pagar um aluguel e ainda continuar comendo. Mas sempre algum encalacro ocorria, a vista não era para os fundos, como dizia, e sim para o caos urbano – eu não posso passar mais um ano sem dormir de novo. Enfim, sempre algum caôzinho ou simplesmente não sentia um instinto de amor com o ambiente.
Aí entrei na página do Facebook "Aluguel zona sul". A maioria dos anúncios de lá é para temporada, infelizmente. E o resto é puro delírio. Do mal, diga-se. Apartamentos de dois quartos por 5 mil imaginários (Thiago tem falado que reais são imaginários, eu só posso copy/paste). As pessoas se rebelam nos comentários. Os proprietários não se pronunciam. Vai que, né? O feeling é sempre esse: "VAIQ".
Comecei a rodar as ruas, a pé, de prédio em prédio, perguntando para os porteiros. Vi mais de 20 apartamentos nesses passeios. Teve um caso muito peculiar, um lugar lindo no Humaitá, verde, que dava pra ver a Lagoa lá longe, três quartos, astral total. Aí entrei nos dois banheiros da casa. Podres. Não estou exagerando. Sabe podridão? Pense. Chuveiro elétrico colado com fita crepe, e quando abri a torneira, saía água pela parede. Meio marrom. Privada podre. Pia idem. Liguei, sondei uma possível mini obra, uma redução bem boa do aluguel, já que o proprietário se beneficiaria da melhoria futuramente, quando quisesse vender e tal. Até aceitaram reduzir pelos custos da obra, mas depois o preço não poderia cair. Risos. Choros. Tem mais de um mês isso, liguei de outro telefone e ainda não alugaram. O cara prefere pagar o condomínio carésimo do que ajeitar o próprio imóvel e alugar logo. Gente que não cuida da casa me dá nervoso. Meu pai, por ser do signo de gêmeos ou por saber que morar em casa requer cuidado, ama uma obra. Uma pintura, dar um jeito, trocar o chão. E assim, a casa dos meus pais, que é de 1890 e tal, é mil vezes melhor do que um apartamento metido a moderninho no Humaitá.
Cheguei a pensar em alugar um quarto, mas eu teria que me desfazer dos meus eletrodomésticos e depois para adquirir isso tudo de novo, seria tão caro. E os preços dos quartos também são chocantes.
"E uma casa numa vila?!", pensei numa noite de busca insana. Casa não paga condomínio, claro. Fui conferir três, só que como não tem taxa de condomínio, os proprietários metem a mão no valor do aluguel. E sai água fraca da pia, e o piso descascado saltando, e a porta da casa que quando abre já dá num quarto. Casas mal ajambradas. Pela bagatela de 4 mil imaginários.
Encontrei um apartamento numa ruazinha no Jardim Botânico. Sem grade, sem porteiro, sem elevador. Condomínio barato, do jeito que eu precisava. Vi, pirei. Quero, quero, quero. Comentei com as duas amigas que iriam dividir comigo (estou procurando de três quartos, a economia de escala faz ficar mais em conta). Recebi a ficha, meu pai é meu fiador, mesmo eu sendo dona de 50% de um apartamento no Rio Comprido, não importa, eu não posso ser a fiadora junto do meu ex parceiro, que é dono do resto. Loucura debilóide. Me coloquei como locatária. Recebi a resposta de que não iriam alugar para mim, afinal eu não ganho três vezes o valor do aluguel. Argumentei que iria dividir o apartamento e que sendo assim, não precisavam se preocupar se eu iria conseguir pagar o aluguel com minha micro renda. Não, me disseram. Pedi ao meu irmão mais velho seus dados, mas não deixaram que o locatário não fosse ser realmente a pessoa que mora (sendo que isso rola DIRETO). E quem aí ganha três vezes o valor de um aluguel? Claro que muitas pessoas, mas não artistas de trinta e poucos, free lancers, como eu. Como você? Almejo muito o dia que vou ganhar três vezes o valor do aluguel, mas por enquanto ainda não rola, ainda não dá. Acreditando na ordem universal, aceitei. O famoso "não era pra ser." Luto, mas nesses casos não sou brasileira: desisto. Saber desistir é bom.
Vi uns lugares na Tijuca, perto dos meus pais, perto do metrô. Tão caro quanto. Às vezes até mais. E me lembro de quando morava na Tijuca ou no Rio Comprido, a grana do táxi bandeira 2 que eu gastava no pós show. Uso muito ônibus e metrô, mas quem trabalha na noite, e estando com equipamentos (caros, geralmente), tem que voltar de táxi. Complicado.
Hoje é dia 27 de março, preciso me mudar dia 10, ainda não tenho casa. Tenho meus pais lindos, claro, gratidão máxima, não quero que isso seja um desabafo "classe média sofre". Sei que trocentas pessoas estão em condições muito piores que a minha. Falta de saneamento, mais de dez pessoas num cubículo, calor infernal pela falta de grana para ar condicionado, ou até mesmo um simples ventilador. Sei da dureza do mundo. Não me encontro nela.
Meu desabafo é só porque acho que as pessoas estão comendo cocô no Rio de Janeiro. Sabe cocô? O resto da sua digestão? Tem gente comendo, só pode. Entendo que o dono de uma propriedade quer se assegurar dos seus direitos, quer uma garantia que sua casa não vai virar um bordel ou um ringue de luta, mas então cuida da sua casa. Faz uma pintura decente e não essas que travam a porta de tanta tinta na dobradiça. Faz um sintecão se o chão se encontra nojento e praticamente fede a mofo. Têm chuveiros elétricos maravilhosos por menos de cem reais, sabia? A mão de obra é papo de 150. Coloca um armarinho decente na cozinha, não esse caindo aos pedaços de 1987. "Ih, ele nem abriu." PORRADA. "Agora abriu, mas não fecha mais. Ih, vou ter que deixar aberto." Cuida da sua casa. Ah, você não pode? Tá sem grana? Então abaixa a porra do preço do aluguel. Que tal?
PS: Terminei esse texto ontem. Hoje fui ver um último apartamento. Estou muito cansada. Mil infiltrações disfarçadas com caixas de papel. Quase gargalhei na frente do corretor. Desisti, gente. Joguei a toalha. Vou guardar minha vidinha num guarda-móveis. O resto vai para o sótão dos meus pais. Vou passar um tempo no sítio da minha vó, vou usar minha passagem pra Bahia para visitar Lipe, meu amigo querido que desistiu do Rio há tempos já. Chega. Vou passar uns meses nômade. E seja o que as deusas quiserem. Fé!