Dizem que foram os gays que trouxeram o casamento de volta à moda. A geração dos nossos pais chocou os seus pais recusando contratos, passando ao largo de grandes festas e vestidos bufantes, e agora tem que aguentar seus filhos sonhando alvuras e buquês, provando docinhos em intermináveis tardes de sábado, doidos pra assinar papéis e trocar anéis. Dizem que foram eles: o interdito é sempre sedutor e não poder casar deu aquela vontade louca de cerimônia e formalidade. Eu ainda não fui noiva mas de repente virei padre ateu, casando as pessoas com poesia, e confesso: capricho no rímel à prova d’água e levo lenços de papel decorados com arte italiana pro caso da emoção transbordar. Pode ser bem legal casar.
(acabou a água de novo? ah, da quente tem)
Já faz uns anos que a irmã me tachou de hippie. Aos trinta e seis me percebo cada dia mais mística. Descobri a cinesiologia quântica, e volta e meia sento diante de uma dinamarquesa sem tinta nos cabelos que ouve o que meu corpo fala quando ela encosta naquele pedacinho de braço. Lembro da minha mãe ficando religiosa durante a filmagem de “Guerra de Canudos”, mandando rezar uma missa quando o ônibus cheio de figurantes carregando baionetas virou na estrada e ninguém se machucou. Achei viagem passar a ter fé assim no meio do sertão. E eu que ainda nem fui lá? Se for, capaz de voltar freira ou santa profana.
(mas a água quente fica quente mesmo, hein?)
O namorado tem um relógio de Marte e eu não me conformo. No dia dele cabem cinco coisas a mais que no meu. Em casa ele não tem tv, wifi e nem computador, então medita, faz yoga, nada, almoça com os pais, e ainda toca o escritório e dá aula. Então eu gasto todo esse tempo na internet, meu deus? Antigamente era acordar, abrir a porta, pegar o jornal, fazer o café, sentar no sofá, comer, ler. Só depois ficar online. O computador do trabalho não conectava. Era perigoso, diziam. Vírus. Hoje em dia é Imac, é Macbook, é Iphone, é na cama ainda, de modo que recentemente ganhei um galo no canto do olho esquerdo por motivo de queda de telefone de quina no ossinho dali. Considerei a gota d’água. Durou o tempo do roxo a decisão.
(boa ideia: tirar a pilha do aquecedor)
É que a internet tem tanta coisa interessante. Gente dançando feito esqueleto atrás de uma tela pra mostrar que o amor não tem gênero ou cor. Crianças gargalhando enquanto rasgam papel. Viúvos recomendando expressar amor por quem se ama enquanto é tempo. Tartarugas usando o próprio casco pra ajudar outras a ficar de pé novamente. Escritoras mundialmente famosas aconselhando o uso da palavra “não”. Astrólogos lendo o céu do dia e do mês. É piegas tudo isso ou é mesmo emocionante? Penso que piegas é o que alguém diz emocionado e não emociona quem escuta. A pieguice está nos olhos de quem vê.
(já tá faltando mesmo água na cidade? ou ainda é seu mariano trocando os reparos das descargas do prédio todo?)
A vida adulta me parece às vezes inviável. A lista de tarefas no Gmail só aumenta e engloba itens tão díspares quanto “livros pra Rondônia”, “bombeiro vazamento Flavio”, “marcar angiologista”, "fotos casório pra Mariana" e “trocar data passagem Belém”. Faltei a reunião de condomínio por preguiça de defender meu ponto de vista e fui pro Jóia pro aniversário da Carol. Um síndico pra vida, alguém indica? Estamos contratando, exige-se experiência comprovada e bons resultados.
(gostar de lavar prato é coisa de homem, acho. ou talvez eu tenha amigos especialmente gentis.)
Foi dia da mulher e quanta baboseira se viu, e quanta lucidez nas críticas. No ano de debutantes do século novo é espantoso que ainda se etiquete as pessoas por motivo de pau ou buceta. Somos bichos diferentes e seguiremos gerando gente no quente de dentro dos corpos e morrendo nas mais variadas idades. Deve ser legal ser negão no Senegal, o Chico Cesar disse lá atrás. Quem sabe um dia seja legal ser gente no mundo, peitão, peitinho, clitóris, prepúcio. Todo mundo tem cu, todo mundo tem medo, todo mundo pode ter coragem e alegria também.
(e afinal nem era tanta louça)
* Projeto fotográfico Nu Cotidiano idealizado e realizado por Andrea de Lima (All rights reserved ©)