OS VILÕES DA INTERNET

Para comemorar os 75 anos do personagem Coringa, a DC Comics teve a ideia de colocar o icônico vilão em capas alternativas para as suas vinte e cinco revistas. O desenhista brasileiro Rafael Albuquerque se encarregou de criar a capa para a edição #41 da revista Batgirl e ele mandou muito bem, homenageando o clássico A Piada Mortal, de Alan Moore, um gênio dos quadrinhos.

Com o talento de Rafael Albuquerque e a justa homenagem ao personagem aniversariante e ao autor que revelou sua face mais bizarra e constrangedora, a capa tinha tudo para agradar os fãs, mas não foi bem o que aconteceu, após sua divulgação, uma verdadeira revolta começou na internet, gerando uma imensa polêmica.

Entre outros, os comentários mais frequentes a respeito da capa acusaram-na de ser "machista" ou "misógina", outros disseram que ela poderia ser vista como uma "apologia à violência contra a mulher". Sei que não interessa, mas querem saber o que eu acho?

Acho que não há nada de mais na arte da capa, mesmo assim, considerando a opinião manifestada na rede, o próprio Rafael Albuquerque pediu à editora que cancelasse a publicação da capa e a DC atendeu ao pedido do desenhista. Uma pena.

Não sou mais um leitor assíduo de quadrinhos como era há mais ou menos dez anos, confesso que estou desatualizado, mas tento acompanhar certas evoluções e acho que o público desse gênero literário vem mudando, e para melhor, os leitores estão mais atentos e pensam a respeito de certos conceitos que antes eram simplesmente ignorados por todos. No caso em questão, porém, acho que houve um exagero, para não dizer um equívoco por parte do público, que não soube assimilar uma ideia muito simples e agiu com um temperamento talvez contaminado por um mal que assola a internet: a força gigantesca que ideias ruins adquirem com velocidade assombrosa; felizmente, o contrário também acontece, às vezes.

Numa conversa sobre o assunto, um amigo fanático por quadrinhos me disse que talvez como capa, como evidência, o desenho tenha revelado esse outro lado (que não vi), mas, caso inserido em uma revista, quer dizer, no decorrer da história, reações nessas proporções não teriam acontecido. Concordo plenamente com ele, e acho que isso tem um nome: hipocrisia. Mas quem sou eu para julgar?

Pessoalmente, tenho medo de atitudes como a desses fãs que criaram e impulsionaram a #changethecover. Tenho medo de que cada vez mais artistas se sintam impelidos à autocensura por conta de uma ditadura politicamente correta. Penso que, se lançada nos dias hoje, A Piada Mortal correria sérios riscos de se tornar um fiasco.

Segundo a DC, a revista Batgirl tem em foco um público feminino numa faixa etária entre 14 e 17 anos. Não sei a opinião de pedagogos, educadores ou mesmo de pais que ousam criar seus filhos sem terem lido Rosely Sayão ou assistido SuperNanny, mas acho que meninas ou mesmo meninos nessa idade já devem ser apresentados a um mundo onde não há um arco-íris em cada esquina e onde nem tudo (ou quase nada) é cor de rosa.

A violência sempre existiu no universo das revistas em quadrinhos. O contexto em que elas nasceram – durante a Segunda Guerra – era violento e macabro, muito pior do que qualquer quadrinho poderia representar se quisesse mostrar a fundo a crueldade e a escuridão dos seres humanos, por isso sou contra todo tipo de censura ou repreensão de conteúdo nos quadrinhos ou onde quer que seja; o acesso do público a determinados conteúdos é que deve ou pode ser discutido. Precisamos ter certeza que, daqui a cem, duzentos, trezentos anos, artistas como Alan Moore e Rafael Albuquerque terão liberdade para trabalhar sem sofrer esse tio de acusações, a meu ver, completamente descabidas.



DANILO DIÓGENES
Estudante de Literatura e colunista do ORNITORRINCO