Antes que o tudo fosse tudo, antes que o nada fosse nada, quando o antes não era antes, no início do início do início havia apenas o caos, um mar calmo, o vazio estático, o silêncio, todas as partículas estavam centradas em um único ponto, o verbo, sete rios congelados, o nada, a vontade do criador, o demiurgo, a explosão. Todos estes termos e muitos outros fazem parte das infinitas cosmogonias que explicam a criação do mundo que vivemos.
A pergunta fundamental que todos os mitos tentam responder é: Como tudo isto que está aí nasceu? ou, Qual a origem do Universo? Da vida? Do mundo? Há explicação pra tudo das mais variadas formas, mas estas elementares angústias humanas não cessarão jamais.
A ideia de um início caótico aparece em muitas cosmogonias. Na grega, antes só havia o Caos, o nada absoluto, o vazio. Do Caos nasce Géia, a terra, a mãe, a semente primeva que gerou todos os deuses. Também do Caos vem o princípio voluptuoso que une tudo, Eros, o mais belos dos deuses, o amor natural, o que faz misturar, o magnetismo dos corpos. Ainda do Caos surgem Tártaro, o abismo, o submundo, Érebro, a escuridão e Nix, a noite. De Nix nasceram Éter, a luz superior, e Deméter, o dia. A partir daí Géia assume o papel de geradora e produz Urano, o céu, os Montes, o ponto de encontro entre o plano celeste e a terra e Pontos, o mar.
Como acontece em todas as culturas, nas cosmogonias egípcias os papéis variam de acordo com a região onde o mito é contado. O mais curioso é o da Enéade (nove deuses) heliopolitana, onde, Atum, o velho deus sol, encabeça os nove deuses que criaram o mundo. Nascido de Num, oceano primordial, Atum (Rá) iniciou-se sobre a pedra benben, o monolito sagrado de Heliópolis, e masturbou-se, gerando Chu, o ar, fluxo de energia da libertação do sêmen, o masculino e Tefnut, a humidade, potencial de vida, o feminino. Desse casal nasceram Geb, o deus da terra, e Nut, a deusa do céu. A separação entre dia e noite se deu pela inveja de Chu do amor do casal que os separou. De Geb e Nut nasceram Osíris, lodo fertilizador, e Íris a terra fértil, e também Seth, a violência, e Néftis, a morte. De Osíris e Ísis veio Hórus e assim por diante.
No caso egípcio, Num, não é como o caos grego, pois nunca deixou de existir depois da criação, inclusive tem papel apocalíptico quando afirma-se que retornará a inundar o mundo inteiro destruindo-o e dando novo ciclo à criação, naturalmente ligado às enchentes do rio Nilo.
O instante inicial também aparece de forma questionadora quando em uma das diversas cosmogonias dos Vedas, no notório 'Hino da Criação', livro 10, que diz que no começo não existia o ser nem o não-ser, não havia morto, nem não-morto, só havia o princípio conhecido como “Um”, que respirava por impulso próprio. As trevas estavam escondidas pelas trevas, mas o fervor interno, tapas, fez com que esse “Um” se tornasse âbhû, o embrião, e desse germe desenvolveu-se o kâma, o desejo, que gerou a semente primeira, retas, que por sua vez deu origem à consciência, manas. A semente dividiu-se em alto e baixo (masculino e feminino), os deuses vieram depois, mas, como surgiram depois da criação, nem eles sabem como tudo se deu.
E diversas versões também se dão na extensa tradição africana Yorubá que, em um deles, diz que Olorun, o deus supremo, através de seu hálito, criou o Universo e todos os Orixás. Assim, delegou a Oxalá que esculpisse o mundo dando-lhe o “Saco da Criação” com uma galinha de cinco patas, um punhado de terra dentro de um caracol e um camaleão. Oxalá também teria que fazer uma oferenda a Exú, mensageiro entre Orun, o céu, e Aye, a terra. Porém o orgulhoso Oxalá ignorou a condição e passou direto. Exú, com raiva, vingou-se de Oxalá dando-lhe uma terrível sede. Oxalá teve de saciar-se com a seiva de uma palmeira que o deixou tão embriagado que o fez esquecer de sua importante missão. Exú tomou-lhe o saco e entregou a Oduduá, que acabou por criar o mundo. Oxalá, arrependido, clama a Olorun que o ordenou a criar o homem.
Já os maias contavam que no princípio a superfície da terra era vazia, havia apenas um mar calmo e grande extensão de céu, tudo era silêncio e estático. Dentro desse mar havia Tepeu, o Senhor, e Gucumatz, a Serpente Emplumada. Eis que Tepeu e Gucumatz saíram e criaram tudo que existe através da palavra e pelas mãos do deus Huracán. E assim surgiram as árvores, as flores, as chuvas, os animais e tudo o que existe. Da necessidade de serem adorados, criaram os seres humanos.

Entre os maoris há o conflito pais e filhos. Rangi, o deus céu, e Papa, a mãe terra, viviam a eternidade unidos por um abraço. Ambos tiveram setenta filhos homens, todos vivendo da escuridão do abraço. Até que Tumauatenga, o filho mais feroz, resolveu matar os pais e sair da escuridão, mas Tane, o deus das florestas, o impediu, achando melhor viver no espaço entre eles. Tane, com suas pernas fortes, conseguiu, deitado, separar os pais. Os gritos de Rangi e Papa enfureceram Tawhirmatea, o deus do vento, que trouxe as tempestades. Com pena, Tane, abrigou o pai com o negro manto da noite e a mãe com um vestido de verdes plantas e flores. Tudo se acalmou e cada filho de Rangi e Papa ajudou de alguma forma a compor o mundo.
Separar céu e terra também aparece no mito da criação japonês escrito no Nihongi, um dos dois livros que guarda os mitos japoneses primitivos. Consta que no início, Céu e Terra não estavam separados, era uma massa caótica, uma espécie de ovo. A parte mais pura e mais clara formava vagamente o Céu, e a parte pesada e densa formava a Terra. Depois que a divisão foi fixada, surgiram os deuses, as deidades criadoras, Izanagi, o Varão-Que-Convida, e sua irmã, Izanami, a Fêmea-Que-Convida. Então as Divindades Celestes ordenaram que Izanagi e Izanami dessem luz ao mundo dando-lhes uma lança adornada de jóias celestiais. Enfiaram a lança no mar e começaram a mexer até que a água coagulou, ao puxarem a lança para cima, a água que gotejava formou a ilha de Onogoro. Desceram e lá fizeram uma casa e tiveram um filho, Hiruko. Depois ambos dão à luz as ilhas do Japão.
Há um mito interessante nos uiotos da Colômbia que diz que no começo não havia nada, somente simples aparência. Tudo era um fantasma, uma ilusão que o grandioso pai, Nainema, tocava. Nainema apertou o fantasma contra o peito e recolheu-se em pensamento. Nainema só conseguia sustentar a imagem do fantasma pelo fio de um sonho. Curioso, queria mais, tateou o fundo do fantasma com os dedos e aplicou a mágica substância-cola. Assim, por meio do sonho conseguiu segurar o fantasma como se fosse algodão. Agarrou a parte inferior do fantasma e pisoteou-a várias vezes formando assim a terra, onde deitou. Depois, Nainema cuspiu saliva muitas vezes e fez surgirem as florestas. Por fim, deitado na terra, colocou sobre ela a cobertura do céu, retirou da terra o céu azul e branco e colocou-o acima.
E os mitos vão permeando todos esses fatores, algo caótico que gera os primeiros deuses, algo que precisa ser separado para fazer nascer, nomes e gestos que formam os elementos, as coisas todas que o que escreveram ou contaram viram, ouviram ou sentiram de alguma forma. Mas há também um “mito” muito interessante que perpassa por todos esses e muitos outros ao dizer que há 14 bilhões de anos atrás, todas as partículas estavam concentradas no mesmo ponto, e moviam-se em todas as direções e sentidos em velocidades próximas a da luz. O tempo não existia, era o átomo inicial, o ovo cósmico, em um estado denso e extremamente quente. Até que Albert Einstein, e sua Teoria da Relatividade Geral, junto com a métrica de Friedman-Lemaitre-Robertson-Walker, pela lei de Hubble-Homason e pelos estudos de George Gamow, sabe-se que esse ponto começou a expandir naquilo que ficou conhecido como Big-Bang, dando origem ao Universo. E continua a se expandir até chegar num outro ponto onde começará a voltar até que tudo volte a ser aquele antigo ponto caótico.
Mas há os que acreditam que o Big-Bang, na verdade, é o choque de universos paralelos bem mais antigos que este em que vivemos e tentamos explicar desde sempre. Talvez esses universos paralelos sejam todos os aqui citados e milhares de outros que compõem o grande livro das origens, sem autor, sem começo nem fim, onde todas as histórias são a mesma história, onde Tepeu, Atum, Javé, Odin, Urano, Brahma, Olorun, Tiamat, Yuxibu, Izanagi, Wakonda, Stephen Hawking fazem parte do infinito, onde todos os deuses e entidades fazem parte do infinito, não só o infinito do universo, mas o infinito da imaginação, pois teremos que contar e recontar a história do mundo sempre, e quando estivermos todos mortos, também seremos espectros da imensidão, observados pelos que, sentados em algum lugar calmo e ermo, admiram as estrelas e os grandes mares e se indagam naturalmente: “Como tudo isto foi criado?”