OLÁ BRASIL, ATÉ LOGO











De volta à Nova York, me volto para o Brasil. Passei três semanas no Rio de Janeiro, dedicadas à renovação do visto e, especialmente, à tentativa de morte matada da saudade, esta velha senhorita que cai, levanta e até parte, mas nunca se vai por completo.

‘Saudade de quê?’, me perguntam, alguns dias depois de eu desembarcar no aeroporto Galeão. Depois da saída, tomo uma cortada, uma cara enfezada e um buzinaço enquanto dirijo para fora da Ilha do Governador. Tudo do mesmo motorista, às 8h da manhã, num sábado algo ensolarado. Saudade disso? Não, disso especificamente não.

Mas o ponto é que nossas virtudes e nossos defeitos parecem vir do mesmo lugar. As nossas e quiçá as de todos. Essa sagacidade no trânsito reflete um ‘cada um por si’ que o maior país do ‘cada um por si’ não me mostrou, ainda que aqui em NY eu pouco dirija. Mas também aqui eles não trocam de faixa NUNCA, o que pode ser respeito aos outros, mas muitas vezes é também só burrice mesmo. E também aqui corre-se muito além do limite de velocidade, em especial nas estradas.

A saudade mesmo é mais do clima. ‘O quê, desse calor miserável? Abafado assim em março!’ Não, não de um calor assim. Acredite, ninguém sua mais que eu numa caminhada de Laranjeiras até a estação do metrô no Largo do Machado. ‘Ah, o metrô. Agora tem arrastão no metrô, você viu?’ Vi. Sei. Uma merda, não tenho o que responder. Mas acho estranho que as pessoas mais preocupadas com a violência (vocês sabem quem vocês são) sejam as mesmas que pouco discutam ou se preocupem com as raízes da mesma violência. UPP no dos outros é refresco.

Mas eu falava do clima, e na verdade era clima no sentido de energia, de atmosfera. Em uma palavra: informalidade. Não se respeita as regras, terrível. Não se leva tão a sério, admirável. Nosso dom, nossa maldição.

Mas sim, o calor é miserável, assim como o frio também pode ser. Experimente cinco ou seis meses de sair por aí com cinco camadas num bota-e-tira interminável e pouquíssimo ânimo para andar pelas ruas de uma cidade em que andar pela rua é a melhor coisa a se fazer. Fora que a praia do fim de semana, ou do dia de semana, ou de qualquer hora do dia, da semana, da vida, é uma preciosidade a ser reconhecida. Um mergulho de dia ou à noite, quando oceano e céu já se fizeram quase um só tem seu valor inconteste.

Ser turista na cidade onde se viveu a vida toda é uma experiência intrigante. A princípio tudo parece igual e diferente ao mesmo tempo. Aí você vê que o diferente é você. Que muda, mas ainda adora um clichê. A estadia limitada intensifica uma agenda já mal acostumada a uma volumosa presença de um tempo esgarçado. Os dias se separam entre manhãs, tardes e noites. E os encontros vão se encaixando nas possibilidades dos amigos e familiares cuja vida não pode parar pra satisfazer os sentimentos de um desocupado com horas de sobra para gastar nas coisas de sempre.

Voltar após um período fora é ser reintroduzido num mundo do qual você não faz mais parte. Mas tudo que você conhece está lá. É preciso tirar a poeira do seu lugar até que ele seja habitável novamente. Como se realmente fosse um estrangeiro de outra vida numa terra que é sua. E nesse processo você come suas comidas preferidas, encontra quem é amado, passeia pelos seus lugares favoritos (lamentando que a falta de chuva tenha secado as Paineiras e diminuído o nível e o fluxo da cachoeira do Horto).

‘Saudade de quê?’, me perguntam. Saudade dos preços? Da bagunça? Não. Saudade da gente. Conhecidos e desconhecidos. Saudade da comida. Saudade de um cinema, de um teatro, que não seja só bom, mas que fale a minha língua. Saudade da lógica que eu compreendo, de saber como as coisas funcionam, ou como não funcionam, no caos que não há de ser relevado, mas pensado, entendido. Sim, entender e ser entendido. Saudade.



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LUCAS GUTIERREZ
Ator, escritor, jornalista e colunista do ORNITORRINCO