COMO SUSTENTAR A ALEGRIA?


Em andanças por avenidas e elevadores, florestas e sítios, tenho estudado a expressão das pessoas alegres em busca da autenticidade dos seus sorrisos. Quero me aprofundar na alegria alheia para ver se lá atrás, no íntimo dos alegres, há contentamento puro ou se o que vejo é só aparência. Não faço isso por crueldade. Só desconfio e investigo os que sorriem demais porque, no fundo, o que quero é descobrir que estou errado ao desconfiar: preciso, para o meu próprio bem, ser convencido de que é possível sim transformar questões sem solução e insatisfações perenes em aceitação e agradecimento constantes. Nessa busca, tenho ficado especialmente encantado ao fazer amizade com sujeitos que, inteligentes e lúcidos como poucos, vivem insatisfeitos, questionam e se perdem, mas mesmo assim seguem na rota do melhor, sorriem sem armação e buscam. Até agora, pude entender pelo menos uma coisa: a alegria é de uma arquitetura verdadeira e fragilíssima, e requer esforço. Por isso, adquiri enorme respeito por quem ri de verdade.

Quando tenho, eu mesmo, inesperados momentos alegres, descubro que a alegria é de uma vulnerabilidade tremenda. A alegria é lúcida: ela sabe que qualquer contratempo ou notícia ruim a ameaçam. Mesmo a preocupação com esses riscos pode, por antecipação, acabar com ela. A alegria é ambiciosa: quer se perpetuar apesar de sua fragilidade. Por isso, se estou alegre, tenho o ímpeto de fugir de qualquer conflito para que nenhum tropeço me pegue de surpresa, para que a minha alegria não seja derrotada. Quero passar longe de qualquer grosseria, discórdia, tragédia, crise, traição. Mas fugir desses riscos não significa tentar correr de uma parte inescapável da realidade? Porque basta estar vivo para se expor aos riscos, e ninguém pode ser tão completamente independente e superprotegido a ponto de só viver o que lhe for prazeroso. Talvez seja este o grande desafio ao espírito alegre: se chocar contra a realidade, da qual não se tem controle, e ainda permanecer em vigor, sem deixar que o medo e as decepções impeçam todo riso.

Será que alguém consegue sustentar a alegria por muito tempo na vida comum? Pergunto isso porque percebo que mal nos distraímos e já começamos a reclamar de tudo, ignorando o que se fez e realizou, e essa postura de insatisfação é tão espontânea e convincente que, quando nos damos conta, já viramos as costas para a alegria e nos apegamos à falta do que não está ao nosso alcance, e nos sentimos ressentidos, fracassados, exaustos, desistentes – e nos sentimos donos da razão. Para piorar, o tal do "aproveite o dia!" continua sendo a ordem mais opressora, irritante, clichê – e verdadeira.

Mas a alegria não é uma questão de sorte. Justamente por ser frágil, ela pede o nosso comprometimento para se manter. O que não quer dizer que devamos nos obrigar ao riso. Não existe nada mais triste do que uma gargalhada sem vontade. É preciso, isto sim, certa acuidade no jeito de olhar o mundo para que o riso seja honesto e, se possível, frequente. Talvez seja necessário ter também a generosidade de aceitar as próprias insatisfações e derrotas de vez em quando, mesmo que elas tragam ondas de tristeza. Porque assim, com os músculos relaxados, assumidos e corajosos, o riso fica mais propício a acontecer.

Não acredito que a alegria precise se impor. À alegria basta que seja. Não tem que se explicar. Depende do que estimula o riso de cada um. A minha alegria, por exemplo, é mais pura quando vem da perplexidade com a beleza no mundo. Sem papo nem roteiro, o riso do espanto é o meu riso favorito. Ele funciona como um miniêxtase.

Por que tem gente que cobre o riso com as mãos, como se tivesse vergonha da própria alegria? O riso é um gesto para fora, um gesto sem pudor. Vem da lucidez de se desapegar das preocupações e colocar os dentes à mostra sem que isto signifique ameaça, e sim um prazer no instante e um convite a dividir este prazer.

E agora, que ando fascinado pela alegria e me convenço de sua possibilidade, meu desejo é ter sempre o encontro com o contentamento tranquilo, do tipo que não necessita de grandes novidades. Torço para que se propague no meu caminho gente com aquele riso calmo e firme que parece me dizer: este riso existe e você deve encontrar o seu. Esse é o riso que me convence antes que eu tenha tempo de me armar com morais, insatisfações e traumas – antes que eu tenha sobre ele qualquer desconfiança. O riso que me faz entender e respeitar.

Acho que existe hoje uma ressaca do discurso da felicidade obrigatória. Vomitamos cansados o bem-estar e o amor que nos enfiam via revistas, sites e lambe-lambes e nos esquecemos da alegria que trazemos por talento. Não adianta muito propagar ordens para o amor e a felicidade nos muros das cidades feito um militante da fofura: a alegria não é rasa, não pode ser imposta e nem precisa de campanha: ela vem da descoberta de si e do seu próprio ridículo. E isso é profundamente individual.

Mas os dias de tristeza e agonia estão sempre nos rondando. Vez ou outra batem à porta – quando não invadem a casa, atravessando paredes. Talvez eles cheguem até você numa festa, ou no próximo feriado em que você não viaje por preguiça ou falta de dinheiro. Será para os dias tristes que temos a capacidade de exercitar a paciência? Pode ser, mas isto também se acaba. O importante, suspeito, é não se prender em redemoinhos de agonia. Para deixar que os humores fluam e a alegria se sinta à vontade a dar as caras de novo o mais rápido possível. Cada instante é um desafio.

Thiago Barbalho é escritor. Publicou os livros "Thiago Barbalho vai para o fundo do poço" (Edith, 2011) e "Doritos" (Vira-Lata, 2013).