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A GLORIFICAÇÃO DO HOMEM BUNDA NA PUBLICIDADE


O homem bunda é aquele chamado por muitos de brasileiro padrão. Não tem nada a ver com classe social, esse elemento é encontrado em todo o alfabeto da pirâmide. Tem a ver com toda a unanimidade ser burra - frase de Nelson Rodrigues, um gênio excêntrico e tarado travestido de brasileiro padrão. Ele ainda complementa o pensamento com a pérola: "Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar".

Essa semana foi lançada a campanha publicitária da nova linha de esmaltes da Risqué, chamada "Homens que amamos". Esse publicitário ou publicitária - afinal, o homem médio se aplica a mulheres também - nos presenteou com nomes de esmaltes ainda mais curiosos do que "Marshmallow de alfazema" e "Poodle".

Denominados "Fê mandou mensagem", "Guto fez o pedido", "Leo mandou flores", "André fez o jantar", "Zeca chamou para sair" e "João disse eu te amo", os esmaltes da nova linha ainda foram promovidos por meio de uma campanha que diz o seguinte: "O assunto número 1 das nossas conversas em 6 cores que vão dar o que falar".



O homem bunda acha que o Fê, o Guto, o Leo e todo mundo aí de cima tá de parabéns por praticar gestos do repertório romântico que podem ser bem vazios, como mandar uma mensagem ou flores, ou por ações cotidianas, como fazer o jantar.

Mas, principalmente, o homem bunda acredita que essas são as questões centrais na vida de toda mulher. Não enxerga que a mulher hoje está no centro da própria vida, que além do amor romântico há outras formas de afeto que a nutrem: amor de amigos, amor de mãe, de pai, tia, irmão; de cachorro, gato, samambaias. Amor por si mesma. Amor por seus projetos, suas ideias, sua religião ou o esporte que pratica. Tem aí uma gama infinita a ser abordada, mas a marca escolheu justamente limitar essa mulher, abusando de clichês que no contexto da sociedade na qual vivemos - onde mulheres são violentadas por estarem sozinhas à noite, onde mulheres ocupam o mesmo cargo de um homem em uma empresa e ganham menos - soa sexista e perpetua o machismo sim.

Ao colocar a visão do homem bunda em foco, com medo de contestá-la ou refletir sobre ela, a publicidade hoje vendeu seu simancol por alguns milhões de dólares e esqueceu seu senso de responsabilidade no fundo da gaveta de cuecas sujas.

Eu trabalho com publicidade e sei que usar clichês é necessário por uma simples questão: tempo em canais de mídia é caro, então é preciso passar a ideia para o maior número de pessoas possível no menor tempo possível. E os clichês todo mundo entende, até o homem bunda, que vive sua vida baseada neles. Mas tudo é a forma como se aborda um conteúdo. Pode-se tratá-lo com ironia, humor, reflexão. Brincar, inverter seu sentido. Há muitas formas a serem exploradas. O conteúdo deve ser simples, mas a forma de abordá-lo não necessariamente.

É muito curioso como essa visão de mundo conservadora e preconceituosa é comprada por todos, inclusive pelos atingidos pelo preconceito. Tim Maia já dizia que o Brasil é o único país onde pobre é de direita. Não me assustaria em nada descobrir que a grande cabeça por trás dos novos esmaltes da Risqué é feminina.

A forma de pensar do homem bunda é branca, de classe alta e masculina. Mas é perpetuada, repetida e comprada por negros, mulheres e pobres. Afinal, qual o público-alvo da Risqué?

Não estou propondo um motim aos esmaltes nem afirmando que nenhuma mulher gosta de flores. Eu converso com minhas amigas sobre o cara que eu estou saindo, e fico feliz quando recebo uma mensagem dele. A questão não é essa.

Quando essa parte da vida de algumas mulheres é mostrada de forma excessivamente valorizada numa campanha publicitária, homenageando homens por praticarem atos comuns na rotina de uma lar que deveriam ser compartilhados por ambos os sexos igualmente, reforça uma opressão que há anos atinge nós do sexo feminino.

Tudo é uma questão de contexto, tudo é uma questão da forma com que se aborda um tema, e, principalmente, tudo é uma questão de reflexão e debate.

Só o debate espanta o homem bunda das pessoas.


Bruna Cataldi é redatora publicitária.

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