O Guilherme Zarvos falou pra mim faz tempo: “você devia vender picolé”. Ele não estava brincando. Era o Zarvos propondo prum garotartista alguma forma de ganhar dinheiro, no sentido mais prático possível. Isso já tem mais de 10 anos. Me lembro bem de não ter considerado a proposta como algo plausível, achei piada do amigo amor poeta. Existia uma fantasia do pop no meu imaginário. Eu ainda acreditava que os Beatles haviam existido de verdade. Mas a ideia cinematográfica virou fumaça e se transformou em diversos tentáculos de diferentes odores. Hoje importa só comunicar, conversar, expressar e forçar os limites para além deles mesmos. Ou seja: trabalhar.
E não era piada o lance de vender picolé. Era sim mais um vislumbre palpável do Zarvos. Então começo esse texto corpo eu mesmo e outros, tomando de assalto a gentileza impossível de Guilherme. Esse homem mulher bicho bicha apareceu na minha vida e eu na dele, já de início com força total. Como vários alguns poucos. Estou vendendo Picolé da Cabeça.
Tem lá no disco Picolé da Cabeça um punhado de músicas que compus (duas parcerias com as incríveis Bruna Beber e Carolina Bianchi). Sons e palavras que acontecem na minha alma (seja lá o que alma seja). Eu pego issos e usos. Sai dum jeito de canção, bem simples. Chamo algumas pessoas pra pensar junto como realizar para além do quartinho voz/violão. E tudo dá certo. Certo quer dizer que acontecem vontades decorrentes dos nossos líquidos. Todos os líquidos. Aí já penso que gosto tanto de quando pessoas se esfregam enquanto produzem fluídos. Como é bom isso.
Por que tem gente que tem porém com porra e gozo e suor? Não sei nem sei se quero saber. Eu ao menos já sei certinho que por mim se faz uma geleca ou gelatina ou pudim ou geléia ou rocambole de tudo o que todo corpo expelir durante seu exercício incessante de querer mexer no outro.
Não consigo escrever pensando no disco. Eu não me compreendo mais como me compreendia tempinho atrás. Estou no meio duma ponte passagem que só me diz isso: “está atravessando (atravessado)”. Tudo o que me move está grudado na necessidade da vontade. De fazer as vontades de forma plural e gutural. Por isso sinto que estou meio longe do que posso. Talvez seja melhor passar a vida tentando ela, ao invés de chegar nela.
Eu não sei mais o que quero como artista. Nem sequer me identifico com a palavra “artista”. Eu sei que quero Ana Maria Bonjour, Helena Bonjour e o neném que está na barriga pra chegar. Esses SIM.
Botika é escritor, compositor e músico.