A VIDA EM TORNO



A gente passa uma vida em torno da idade. Querendo fazer mais e mais. Querendo ter 15 pra poder beijar (sou dessa época – mas beijei com 14), ter 18 para dirigir, ter 25 para casar, ter filhos. Ter 30 para comprar a casa própria. Só que, depois da carteira de motorista, todo o resto é incerto. Não existe garantia de que as conquistas irão acompanhar a nossa linha do tempo da vida. Tem gente que consegue o primeiro milhão antes dos 30, gente que não parou de pensar nisso desde o primeiro segundo da vida adulta. Nunca foi meu caso. Não é o de muita gente. Comigo as coisas seguem outro ritmo e eu sofri muito até entender, aceitar e ficar feliz com isso.

Quando eu fiz 30 anos bateu uma “bad” pesada. Escrevo bad pesada e acho uma graça, joguei fora meu regionalismo, eu deveria ter dito que a lombra foi grande. Fechei 3 décadas com uma sensação ingrata de que nada havia acontecido e que eu estava morrendo na praia. Hoje eu odeio essa expressão. Acho tão cruel. Eu ouvi de um professor isso uma vez, me magoou tanto que eu nunca esqueci. Aliás, eu assumi que eu era como um daqueles bichos que vão bater na beira-mar com o sargaço, a morrer sufocados. Aos 30 eu não conseguia nem conquistar a certeza do que queria fazer para passar o resto da vida. Morria mesmo, em diversas praias.

Escrevo essas coisas todas e percebo que foi em outra existência. Todos esses conceitos foram desfeitos. Primeiro eu descobri não só o que queria fazer pelo resto da minha vida, como entendi que isso não precisava também ser minha fonte de dinheiro. Quer dizer, eu escrevo também para ganhar dinheiro, mas isso é uma coincidência. Eu podia fazer qualquer outra coisa; vender roupa, fazer sanduiche, limpar casa. Depois eu fiz as pazes com a minha beleza. Na verdade eu fiz as pazes com a diversidade. Entendi que são tantas formas e que isso é que era bonito. Relaxei. Deixei de querer ser o que eu não era. Amando todo mundo eu comecei a me amar. Isso é forte. Paro aqui um pouco de escrever, pois vou pensar mais sobre.

Não entendo de paz. Sou uma pessoa do fogo. Sinto tudo, dramatizo, conceituo. Continuo igual, então não sei como foi que atingi essa sensação de calmaria. Acho mó graça. Acho mais engraçado ainda quando estou assim, me sentindo A equilibrada e perco a linha em uma tentativa frustrada de resolver um lance com o cartão de crédito. Eu de fora rindo de mim, a que está dentro do furacão. Vivendo sem culpa, no entanto. Essas duas e tantas outras. Viver deixou de ser um problema. Virou a minha prática. Tudo acaba. Tudo se renova. Pode-se perder tempo, por que não há razão. Pode-se não perder tempo algum pelo mesmo motivo: não há razão.

A gente cria tanta expectativa vazia... tem essa mulher, que faz aula de ioga comigo. Muito assídua. Abriu a boca outro dia, pra falar dos trombadinhas. Eu ri. Somos todos assim. Causamos impressões falsas. Não é nossa culpa. Você vê o que você quer. Igual à minha colega de 25 e poucos achando que somos da mesma idade. Eu acho que ela está certa. Eu não me sinto mais com idade alguma, esse é o meu barato agora. Isso que estou sentindo, de estar dentro da roda da vida é algo que eu nunca jamais sonhei em conquistar. Muito melhor que grana. E pensar assim me deu grana. Louco.

A gente passa a vida vivendo em torno de marcos pré-determinados. Até nossa rebeldia vem enlatada. Tudo em caixas. Até pensar fora dela, é só mais uma. Eu, aos 34, descobri uns fios brancos e a calmaria. Não sei dar nome a isso. Tudo bem se vier um tsunami. Tudo bem se não acontecer nada. Aos 34 está tudo bem.


Marília Valengo é redatora.