UM REQUIEM PARA JORGE LUIS BORGES


Ler os contos de O Aleph, de J.L.B., é como ler o infatigável trabalho do universo para permanecer dentro de seu próprio mistério desde a origem até o fim dos tempos. Borges escreveu cada palavra como se elas fossem as mãos que pouco a pouco levantaram as pirâmides, cada palavra é uma peça chave (insubstituível) para a arquitetura da narrativa, que, se não é, ao menos nos dá a impressão de que é firme, inabalável, como a esfinge.

66 anos após a primeira publicacão desse livro, eu o releio e, mesmo não tendo jamais estado na China, reconheço e percorro a imensidão de suas muralhas. O Aleph protege (até quando?) o que foi e o que é a Literatura, seja ela o que for... Os relatos de Borges, cirurgias feitas pelas mãos de um médico louco, dão vida a um terrível, assombroso constructo que mal sabe falar, mas representa, como faria o mais talentoso ator ou a mais talentosa atriz, um teatro que ninguém assiste e do qual não se pode apurar nenhum sentido, nenhum axioma, senão a certeza de que não pode ser belo o que não é vazio.

Mortalidade e imortalidade, o ocidente e o oriente, mentiras, ciúmes, crimes, ruas e becos escuros, labirintos e desertos, "um ponto onde convergem todos os pontos". O Aleph, assim como o poema que Carlos Argentino escreve a partir dele, é turbulento, mas tranquilo como um pátio fotografado, vazio, por isso belo e venerável; é o Caos (pai do Céu e da Terra).

Machado de Assis disse uma vez que "nada se emenda bem nos livros caóticos, mas tudo se pode meter nos livros omissos"; ele, tanto quanto Borges, sabia que um bom livro é como o vôo de uma mosca, desnorteado e incômodo.

O monumento de Borges, 66 anos depois, está intacto, nenhum soldado romano quebrou seu nariz a pedradas. Ele passa as noites frias no silêncio das bibliotecas, enquanto procuramos a vida nos corredores dos supermercados e topamos, na entrada do caixa, com uma revista de celebridades.

Não me lembro qual escritor latinoamericano disse que "é preciso voltar a Borges", talvez todos tenham dito, mas eu quero dizer que não, que não é preciso, não há nada lá para nós, só a vergonha.




DANILO DIÓGENES
Estudante de Literatura e colunista do ORNITORRINCO