LEXOTAN



Foi num livro que eu aprendi o que são sanguessugas. Não tinha Google naquele tempo. "Sanguessuga", você lia, e tinha que criar sozinho a imagem. Ou acreditar na ilustração. Livro tinha ilustração naquela idade, mesmo tendo mais de cem páginas. Era uma coleção de nove volumes escrita pela Laura Ingalls Wilder, uma americana que viveu a infância em casas de madeira construídas pelo seu pai no período da corrida do ouro. Ali eu aprendi a defumar carne, a fazer biscoitos de xarope de bordo que endureciam em pratinhos cheios de neve, eu atravessei rios em carroças cobertas por lençois brancos e fui ao mercado comprar tecido pra fazer o vestido novo daquele ano. Eu conheci meu primeiro namorado que claro que virou meu marido, tivemos quatro anos difíceis mas fomos muito felizes.

Eu era morena e a minha irmã Mary era loura e eu morria de culpa por sentir inveja disso e por ter tantos sentimentos não nobres, lá no livro e na minha cama onde eu lia. A gente tinha uma boneca de pano - a Carlota feita pela mãe dela, a minha costurada à mão pela vovó. O papai cantava pra gente dormir - o dela com um violino, o meu me trazendo o mar do Caymmi. A palavra "insônia" não existia no nosso vocabulário.

Agora tem a Wikipedia pra me dizer que Laura Elizabeth Ingalls Wilder, nasceu em 1867, numa pequena cabana de troncos, à beira da Grande Floresta do Winsconsin. Ao longo dos anos, viajou com a família de carroça através de Kansas, Minnesota e, finalmente, do Território de Dakota, onde conheceu e casou com Almanzo Wilder, e me dizer que essa era ela:



Eu insisto que ela era essa aqui.





Então nas noites de mal estar e insônia troco o Lexotan pelo leite quente com mel (sabia que se você encher um copo com pipoca e completar devagarinho com leite não derrama? a Laura sabia e me ensinou) e cato um dos nove volumes pra ler na cama como se a qualquer momento eu pudesse ouvir no corredor os passos do papai - que nessa época já não cantava mais pra gente dormir - e corresse pra apagar o abajur porque isso não era mais hora de criança estar acordada. Não é mesmo não.



*Algumas das nossas aventuras:

Mamãe cruzando o rio com nossa carroça
Nossa casinha-caverna
Papai cortando os troncos pra construir nossa casa
A aterrorizante visita dos índios