UMA PAUSA PARA RESPIRAR

Foto: Marcelo Albuquerque 

O dia-dia, o corre-corre, o empurra-empurra... A repetição das palavras é a própria repetição dos acontecimentos em sua velocidade submersa no vício de acabar e recomeçar, não exatamente do início, mas, ainda assim, em um movimento cíclico. Sem pausa para respirar, como um homem muito nervoso, acendendo um cigarro após o outro; este é o tempo, essa é a vida.

Invoco os deslocamentos em que somos as locomotivas puxando vagões imaginários, cargas e mais cargas de problemas, angústias, nascimentos, mortes, sorrisos percebidos com dificuldade em meio à pequena multidão no ponto de ônibus. E disso nos fazemos, de fragmentos unidos, separados por um sorriso quase imperceptível, como um trem que vai para o centro da cidade e para o centro da existência.

Os deslocamentos da casa para escola e de volta a casa, e para o trabalho e de volta a casa, e para a festa e de volta a casa, e para a praia e de volta a casa. Quem percebe nessa corrente os elos quebrados? A libertação do automatismo absoluto, a brecha que não é propriamente um defeito, mas que nos define, onde ela fica, exatamente? No lazer? Na arte?

O sentimento de pertencer a um lugar, de ter um ponto de partida para o qual sempre voltamos, um lugar de descanso, um lugar seguro, um forte, um refúgio, o sentimento, melhor dizendo, de posse recíproca em relação a esse lugar, ele nos faz compreender que o cansaço, que o horror do trânsito não pode atropelar nossa identidade e que a bocarra fedorenta da cidade não pode nos tornar anônimos comendo a letra dos nossos nomes.

Mas outra vez (ah, outra vez!), sobrepondo-se ao sentimento, o pensamento! O ônibus pára, os ruídos diminuem; por pouco tempo, logo ele voltará a andar, mas é tempo suficiente para que a razão intervenha, que o pensamento lógico se estabeleça, que o método organize a questão em um centro e a transforme em um objeto.

É tão difícil: viver, trabalhar, estudar, morrer, esquecer, voltar, imaginar, querer, não querer, tudo isso é difícil. Este é o tempo. Esta é a vida. Raduan Nassar: estamos indo sempre para casa.

Temos uma casa, metafisicamente falando? Ou procuramos por ela a vida inteira e nunca encontramos porque não podemos? Acho, acredito, pondero, elucubro, tenho a leve impressão de que, lá no fundo, não somos tão diferentes dos tuaregues, ao menos em termos de fixação de território.

Os deslocamentos, os movimentos... Não vi a menina que entrou no ônibus, vi o seu movimento, continuo vendo o seu movimento enquanto ela paga a passagem e procura um banco para se sentar, e quando se senta, o ônibus volta a se mover e a menina se move com ele, continuo vendo o seu movimento e quando eu estava "parado" os meus olhos se moviam e por conseguinte eu me movia. Vamos para casa ou para qualquer lugar que chamamos de casa.

Vamos entre protestos, manifestações, soluços, solavancos... Esse é o nosso dia-dia, nosso corre-corre, nosso empurra-empurra em algum lugar da América Latina, esse continente que ninguém sabe o que é nem por onde anda, mas que com certeza está mais triste porque morreu Eduardo Galeano, um homem que costumava parar e respirar de vez em quando.




DANILO DIÓGENES
Estudante de Literatura e colunista do ORNITORRINCO